domingo, 16 de setembro de 2007

Os comunistas e os acordos de poder


Em http://comunistas.info é publicada uma interessante entrevista com Luís Fazenda, líder da bancada parlamentar bloquista, sobre o problema da participação dos comunistas nos governos. A entrevista também foca o recente acordo com o PS para a CML. Aqui fica a dita, para ler com atenção.

"A perspectiva do socialismo como estratégia pode passar por participações no governo ou não passar. Não há dogma. Depende da análise concreta da situação concreta, da natureza da crise do capitalismo, da predisposição das massas trabalhadoras, da relação de forças internas e externas ao país, entre outros factores."
Comunistas.info: Achas que a participação de comunistas e da esquerda em coligações faz sentido em pleno capitalismo, e sem que primeiro se opere a grande transformação social, económica e política a que chamamos revolução?
Luís Fazenda: A participação de formações marxistas em governos de coligação no quadro do capitalismo não é, só por si, surpreendente. Já nos anos 30 do século passado, esse facto impôs-se com o governo de Frente Popular em França, apontado pela Internacional Comunista como exemplo a seguir para travar o ascenso do fascismo. Não se desconhece toda a imensa controvérsia sobre essa posição, quer antes, quer depois. No geral, essa polémica apenas alimentou o sectarismo e facilitou a vida a aspirantes à burguesia. Convém lembrar que, já antes, com objectivo diferente, o de aprofundar a crise do capitalismo, Lenine não tinha descartado a possibilidade de coligações entre os comunistas, outras alas esquerdas, e social-democratas. O dirigente comunista punha a finalidade de frente única em oposição ao oportunismo ministerialista dos social-democratas em governos burgueses. Tratava-se de situações em que o avanço revolucionário não seria imediato. Essas reflexões pouco passaram disso mesmo devido ao massacre dos comunistas alemães em 19, não sendo o único caso de repressão à ordem dos social-democratas. Não se pode simplificar a história e fazer equivaler situações de parlamentarismo, levantamento revolucionário, ou guerra imperialista. Não o farei aqui. Devo apenas sublinhar que a questão não é nova e que a formulação dos objectivos de um governo de coligação é o seu conteúdo, e que a composição e forma de tal governo só pode ser a garantia desses objectivos. Envolver esta questão no debate entre reforma e revolução só turva a táctica dos partidos. A perspectiva do socialismo como estratégia pode passar por participações no governo ou não passar. Não há dogma. Depende da análise concreta da situação concreta, da natureza da crise do capitalismo, da predisposição das massas trabalhadoras, da relação de forças internas e externas ao país, entre outros factores.
Comunistas.info: Como comentas as diversas experiências em curso no mundo em que os comunistas e outras formações de esquerda participam em soluções de governo, na Europa e no Mundo?
Luís Fazenda: Das experiências enunciadas de participação actual de comunistas em governos formados pela via parlamentar convém talvez deixar para outra reflexão a experiência de governos regionais na Alemanha, Catalunha, Brasil ou Índia. Pontuam aqui realidades muito diferentes, tempo e competências muito diferentes, partidos comunistas eles próprios muito diferentes também. Em todo o caso são governos afastados do núcleo da soberania do estado, portanto não definitórios do perfil dos marxistas face ao poder. Parece que se devem dispensar desta análise os ex-comunistas da Suécia e da Finlândia que renunciaram ao objectivo do socialismo. Faço notar que o Partido da Esquerda da Suécia proclamou como finalidade alcançar o “capitalismo democrático”. Nas condições internacionais actuais, de aguda defensiva das forças socialistas e democráticas, a meu ver, só faz sentido participar em governos de coligação com outras forças e aí dar o sinal dos comunistas, caso esse governo rompa com as políticas neo-liberais e com a máquina de guerra da NATO. Exceptuam-se, claro, circunstâncias, nesta ou naquela zona do globo, em que estados possam atravessar uma formidável convulsão e a prioridade seja a paz imediata e a instauração da democracia. Os marxistas não escolhem aliados em abstracto por mero catálogo ideológico. A luta social pode vir a abrir, em Portugal e em vários países da União Europeia, a possibilidade de um “governo de esquerdas” desatrelado do hegemonismo dos EUA, reestruturando os direitos sociais. Contudo, esse contexto não parece ser próximo. O centro da nossa atenção só pode estar virado para isolar os capitães da finança e os sargentos de escala do poder. A participação dos comunistas sul-africanos no governo do país tem, a meu ver, claramente dois momentos. O primeiro compromisso, sob a égide de Mandela e do ANC, inteiramente justificável e necessário, para consolidar a vitória sobre o regime racista, facto de alcance mundial. Nos últimos anos, lamentavelmente, o PC da África do Sul persiste equivocadamente no poder, sancionando um capitalismo muito agressivo contra os trabalhadores sul-africanos. Nos casos do Brasil e de Itália, ressalvando as imensas características diversas dessas experiências, os comunistas propuseram-se mitigar o neo-liberalismo. Sem sucesso e com desfecho dúbio. O governo francês de Jospin já tinha mostrado o desastre desse ensaio. Especialmente grave é o envolvimento objectivo da Refundação Comunista de Itália na política externa pró-NATO de Prodi.
Comunistas.info: Como aprecias a esta luz as peripécias na formação de uma vereação de coligação em Lisboa? E quais as implicações que a participação ou recusa poderão ter para as fases seguintes do processo político português, nomeadamente quanto à competição das legislativas daqui a dois anos?
Luís Fazenda: A partilha de responsabilidades executivas na Câmara Municipal de Lisboa deriva de uma dinâmica local, no caso do Bloco de Esquerda. O PCP durante muitos anos apresentou a coligação PS-PCP na CML como a prova de que era possível uma aliança nacional entre esses partidos. Mais do que a letra dos documentos vale a interpretação de Carvalhas em muitas entrevistas públicas. Hoje a antiga “prova” passou a “corpo de delito”. O voto dos cidadãos tem demonstrado que crescentemente se separa a esfera autárquica da esfera parlamentar. Julgo que as pessoas vão fazer essa distinção em 2009. Tanto para aqueles que decidiram tomar responsabilidades executivas como para os que o não fizeram no caso autárquico, e sem interferência relevante na disputa das legislativas. Uma coisa é um acordo limitado a algumas políticas da cidade, outra bem distante é uma avaliação sobre o rumo liberal da governação e das alternativas. O Bloco de Esquerda não manipula as autarquias para a política nacional. Creio mesmo que no nosso país é uma temeridade pensar que o espaço autárquico seja privilegiado para alterar a rota geral de qualquer partido. Infelizmente é o espaço mais feudal da política. A desagregação do bloco central de interesses passa muito pelos movimentos sociais, em marco nacional e em frente europeia.

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