terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Marxismo e Cristianismo


Por: Antônio Inácio Andrioli, e também publicado na revista Espaço Académico
A teoria marxista surgiu da reflexão crítica e científica sobre os mais importantes movimentos de trabalhadores surgidos na história e é, sem dúvida, a teoria mais relevante para entender a economia capitalista e a possibilidade de emancipação dos oprimidos. Iniciado pelo filósofo alemão Karl Marx, o marxismo continuou sendo desenvolvido e aperfeiçoado por outros pensadores, como Friedrich Engels, Rosa Luxemburgo, Wladimir Lênin, Leon Trotski, Antônio Gramsci, Georg Lukács, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Ernst Bloch. A maior vantagem do marxismo, como teoria, é que ele é um movimento crítico e, por isso, ele renasce com nova força da reflexão sobre seus próprios erros e permite que continue sendo interpretado e experimentado com maior rigor e eficácia. O marxismo é um pensamento em movimento, diferente do positivismo que é estático e conservador.

O cristianismo, maior expressão religiosa do ocidente, surgiu antes do capitalismo, e baseia sua fundamentação na vida e ação de Jesus Cristo. O ideal da vida cristã é a partilha, a comunhão. Este é o sentido da comunidade, expressando a idéia de uma vida em comum-unidade com os outros. Não cabe ali a propriedade privada, a exploração e a desigualdade social. Por defender o ideal de uma sociedade onde o importante é o comum, aquilo que é de todos, Cristo foi crucificado pelos poderosos de sua época, os romanos e fariseus, e, inclusive, os sumo-sacerdotes (religiosos que não comungavam dos ideais cristãos).

Entretanto, em torno do século VI, no reinado de Constantino, o cristianismo foi utilizado como ideologia a serviço da dominação pelo Império Romano. Os senhores feudais negaram o cristianismo e constituíram sociedades injustas, instrumentalizando ideologicamente a crença cristã para integrá-la politicamente ao Estado. Mais tarde, com o advento do capitalismo, os burgueses tentaram conciliar sua forma de vida parasitária com a fé cristã. Entretanto, os capitalistas mais autênticos se assumiram como liberais e se contrapuseram à Igreja, na tentativa de superar o cristianismo e acabar com a hegemonia do feudalismo.

Podemos afirmar que tanto os capitalistas que se “autodenominam cristãos” como aqueles que se identificam como liberais, negam a vida em comunhão e pregam a acumulação pessoal com o sacrifício da maioria. Seu combate é o mesmo, a luta contra o comunismo, termo que, até hoje, utilizam para confundir as pessoas. E essa é uma luta política, como não poderia deixar de ser, embora os opressores continuem afirmando que só eles é que podem fazer “política”. Como negar que o cristianismo é político se o maior líder de uma Igreja cristã é chefe de um Estado, o Vaticano, que em toda sua história organiza movimentos políticos em todo o mundo? Cristo foi morto como “preso político”, por defender idéias que contestavam a estrutura injusta da sociedade. Assim, todo cristão que vive o evangelho de forma coerente, desagrada àqueles que oprimem o povo.

Há mais de um século, o marxismo passou a ser a principal expressão do pensamento da esquerda mundial, tendo em vista que a teoria liberal se converteu em ideologia do capitalismo. Esta, além de ser anterior ao marxismo, não consegue apresentar perspectivas à esmagadora maioria da população, principalmente aos problemas da exclusão social e da destruição ambiental. Onde estariam os liberais cristãos? Teoricamente sua base é contraditória e conflituosa. Sua ação é, em sua maioria, disfarçada, secreta e geralmente hipócrita. A maioria dos capitalistas, não se revela como liberal (inclusive partidos deixam de declarar publicamente como liberais) para não assustar a população, reunindo-se em torno de movimentos empresariais, claramente opostos ao cristianismo e, mesmo assim, mantendo a aparência de “cristãos devotos” na sociedade.

Como o liberalismo passou a legitimar a opressão capitalista, para manter os privilégios de classe, muitos liberais negam o saber ao povo, se apresentando, eles mesmos, como estudiosos e “colecionadores” de obras do marxismo, mas reprimindo e discriminando a leitura marxista à população em geral. Atualmente, é freqüente verificarmos que os mesmos que estiveram a serviço da ditadura militar, que mataram e torturam pessoas para manter os capitalistas no poder, vêm a público combater o marxismo. Aliás, assumem a mesma prática dos que mataram Cristo: não querem que o povo conheça realmente o ideal cristão, assustando as pessoas sobre teorias que possam alterar a ordem que favorece aos poderosos. Da mesma forma que reprimiram a leitura do marxismo no período de ditadura militar, prendendo, perseguindo e assassinando marxistas no Brasil. São esses os liberais brasileiros que se apresentam como defensores da democracia.

Partindo do entendimento do significado do marxismo e do cristianismo, podemos verificar que as duas correntes de pensamento, em sua origem, convergem para o mesmo sentido: a vida em comum, o comunismo. O que não é possível é ser capitalista e cristão ao mesmo tempo e os liberais demonstram isso claramente em sua teoria, que surgiu, objetivamente, para combater o cristianismo, em torno do século XVII. Os equívocos de algumas experiências socialistas com relação ao cristianismo são evidentes, assim como foram contraditórias com o próprio marxismo, instrumentalizado para legitimar o poder de Estados autoritários e burocratizados. Mas, o marxismo permanece vivo, lado a lado com o cristianismo, com inúmeros cristãos marxistas, adeptos da Teologia da Libertação, o que não ocorre com o liberalismo.

Como o marxismo estimula o pensamento livre, sua leitura e debate devem ser oportunizados a todos, sem distinção. Através do marxismo tornou-se possível aos trabalhadores compreender a exploração capitalista, permitindo a sua mobilização e organização social contra os opressores, numa perspectiva de construção de uma sociedade socialista, sem classes e desigualdades sociais, coerente com o propósito cristão de que “todos tenham vida e a tenham em abundância”.

Antônio Andrioli é professor do Mestrado em Educação nas Ciências da UNIJUÍ - RS. Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück – Alemanha
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