Primeiro foi o ‘Investment Grade’, gloriosamente anunciado pelos noticiários econômicos, em meio ainda às incertezas que cercam a economia internacional desde a explosão do mercado de hipotecas nos EUA. Uma pessoa qualquer que tivesse nesse dia chegado ao país e assistido aos jornais das grandes redes, muito provavelmente imaginaria ter desembarcado direto no paraíso.
Mal passados alguns dias, lança-se em grande estilo a Política de Desenvolvimento Produtivo, a partir da desoneração fiscal de vários setores e suporte financeiro do BNDES. Anuncia-se ainda a criação de um Fundo Soberano, para investimentos e apoio a empresas brasileiras no exterior, a ser financiado com o aumento do superávit primário (receitas menos despesas, exceto juros).
Recauchutagem de programas anteriores que rastejam ou ficaram esquecidos, ausência de especificações de critérios concretos de desempenho de setores que irão receber subsídios fiscais, todas essas são questões que, por óbvias, vêm sendo marteladas pelos colunistas da grande mídia.
Quanto ao Fundo Soberano, fará crescer a dívida pública interna, paga a elevadíssimas taxas de juros, para financiar atividades externas de algumas empresas a taxas bem menores. Para o ministro Mantega, no entanto, a operação de financiamento do Fundo é muito comum: trata-se da lógica do velho cofrinho, onde "você ganha o salário, faz as despesas e sobram os recursos. Aí você coloca no cofrinho. Vamos colocar no cofrinho o excedente".
A vida não costuma ser assim tão simples, sabemos todos. Para comentar, portanto, alguns dos aspectos mais complexos envolvidos nas novas medidas, especialmente quando contextualizadas pela atual conjuntura política e econômica, conversamos com o economista do IPEA e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Guilherme Delgado.
Confira abaixo.
Correio da Cidadania: Como você enxerga as mais novas medidas de Política Industrial do governo, lançadas nessa segunda-feira, 12 de maio, com a desoneração fiscal de várias atividades até 2011– totalizando cerca de 21 bilhões de reais - e incentivos de cerca de 210 bilhões de reais do BNDES até 2010 para financiar os setores industrial e de serviços?
Guilherme Delgado: Do ponto de vista teórico, de se promover uma política de desenvolvimento e de incentivar o progresso técnico e as mudanças de competitividade do setor industrial, em princípio, são medidas positivas.
No entanto, o quadro conjuntural no qual nos inserimos e o formato dessas medidas que estão sendo alinhavadas, muito preocupadas em responder à pressão do déficit em conta corrente do balanço de pagamento e à conseqüente valorização cambial do real - o que, na realidade, tira o foco de competitividade do setor industrial -, me deixam bastante reticente com relação à sua eficácia. Isso porque, na realidade, não estão tocando no fenômeno cambial e monetário, que é o fenômeno bastante preocupante no que se refere à competitividade industrial; tocam apenas no lado fiscal, tentando gerar incentivos fiscais compensatórios, na expectativa de que os setores contemplados tenham projetos com mais alta taxa de retorno e voltem a ser competitivos no mercado externo.
Precisaríamos fazer uma análise ramo a ramo, mas o quadro que observamos hoje na economia brasileira, que não é recente, é o de deslocamento da chamada competitividade industrial para aqueles setores de relação mais forte com o agronegócio, por terem tradicionalmente um coeficiente muito baixo de importações e uma presença e avanço mais fortes no setor externo, através das exportações. Tanto que os setores industriais têm estado relativamente precários e fortemente dependentes de importações, até pelo próprio fato de ter havido uma abertura e liberalização muito grandes no setor industrial, o que fez com que várias cadeias fossem perdidas, desmontadas, perdendo potência competitiva.
Nesse sentido, reafirmo que a idéia é, teoricamente, positiva, mas, em função da conjuntura que vivemos, não há certeza de que será eficaz nesse formato em que está sendo desenhada.
CC:Foi também anunciada a criação de um Fundo Soberano, que parece parte dessa pretensa Política Industrial, como forma de apoiar a expansão de empresas brasileiras no exterior. O que vem a ser exatamente esse fundo e qual a sua avaliação sobre o mesmo?
GD: O Fundo é parte de uma briga interna do Ministério da Fazenda com o Banco Central. O BC tem total incumbência e responsabilidade em gerir reservas externas, totalmente descompromissado da política industrial e de políticas de desenvolvimento, e o que quer o Ministério da Fazenda é pegar parte dessas reservas e aplicá-las no BNDES para financiar empresas no exterior.
CC: Por sugestão do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, boa parte dos recursos desse Fundo Soberano viria a partir de economia fiscal – a meta do superávit primário, hoje em 3,8% do PIB, seria ampliada para 5% do mesmo. Ao mesmo tempo, esse novo pacote de medidas do governo prevê a renúncia fiscal. Como essa conta vai ser fechada?
GD: Em princípio, a idéia do Fundo Soberano é boa. No entanto, o Fundo ser apoiado pelo aumento do superávit primário é preocupante, pois, dessa forma, você retira recursos fiscais que de alguma forma alimentam a demanda efetiva interna – investimentos, infra-estrutura, gastos na política social e outros – e injeta diretamente no setor externo da economia. Ou seja, há um preocupante deslocamento de prioridades. Claro que o Fundo Soberano precisa investir, mas deveria investir dentro da meta de superávit primário já existente, isto é, utilizar-se de um pedaço desse recurso para financiar o BNDES, sem aumentar ainda mais o superávit primário do orçamento fiscal.
O que eles dizem é que, se usarem o superávit primário e não a dívida pública, terão uma base fiscal para financiar esses dólares. Essa é a idéia de usar o superávit primário adicional, que geraria os reais para não impactar a dívida. Mas o aumento do superávit primário, já alto, numa economia que precisa se expandir, que tem uma demanda interna em expansão, é uma medida contracionista, criando um processo muito ambíguo.
CC Não se estaria acobertando a idéia de se aumentar ainda mais o superávit primário sob o manto do desenvolvimentismo?
GD: A verdade é que se acaba deixando tudo igual. Conserva-se a política de juros, a valorização cambial, aumenta-se o superávit primário... Isto tudo acaba sendo uma ação entre amigos, em vez de ser uma política de forte reversão das tendências estagnacionistas e de dependência, ou de alavancar o desenvolvimento.
São duas idéias boas, política industrial e fundo soberano, mas, nessa versão e em nossa atual conjuntura, são remendos de tecido novo e velho, cuja conseqüência é aumentar o rasgo, e não costurar o tecido.
CC: Há ainda parte dos recursos desse Fundo que seriam originários da compra direta de dólares pelo Tesouro no mercado de câmbio: ou seja, uma operação tradicional, financiada pela emissão de títulos públicos e com novo impacto altista na dívida pública interna.
GD: O que ocorre realmente ao final é que a dívida tem que ser financiada por tributos ou por nova expansão da dívida. E no caso da expansão da dívida interna, advém um novo custo fiscal uma vez que há um diferencial de juros muito alto entre o mercado interno e o externo. Assim, do ponto de vista de uma verdadeira política de desenvolvimento, o formato no qual está sendo baseado esse Fundo é bastante ambíguo.
CC: Recém anunciado também com grande destaque no noticiário econômico nos últimos dias foi o ‘Investment Grade’ para o Brasil. O que significa esse anúncio no atual momento a seu ver e quais podem ser possíveis efeitos para nosso país? O Brasil está passando incólume pela crise internacional ou virou, de alguma forma, a menina dos olhos do capitalismo financeiro internacional?
GD: ‘Investment Grade’ é uma tábua de salvação que aumenta o tamanho da corda no pescoço. Ele chegou num momento em que o país reverteu, e de forma explosiva, o superávit para déficit na conta corrente. Tivemos no ano passado um superávit de 3,5 bilhões e, nesse primeiro trimestre de 2008, o déficit acumulado é de 15 bilhões, projetando-se 25 bilhões ou mais até dezembro. Na realidade, se esse déficit em conta corrente tem relação, e sabemos que tem mesmo, com a valorização cambial, com a política de industrialização e tudo mais, a emergência da novidade do ‘Investment Grade’ nas operações financeiras internacionais vai aumentar a valorização cambial. Isso acontece, pois se abrem as portas para a entrada de mais dólares, sem que se tenham equacionado os demais fundamentos da economia, principalmente a causa primária desse déficit na conta corrente, como, por exemplo, as remessas de lucros. Com a abertura da conta de serviços vis-à-vis programas de importações industriais que visam a um processo de desmontagem de cadeias industriais pela liberalização, como se vai combater esse quadro com entrada de investimento direto a qualquer custo?
Decorrerá daí mais valorização do câmbio e maior inibição das exportações, e não a diminuição do déficit em conta corrente.
Vejo esse momento com preocupação, porque a alegria e euforia me parecem um pouco equivocadas. Que estejam eufóricos os capitais que vêm aqui até posso entender, pois não estão perdendo tempo, já que têm uma tradição de ir e vir na hora que quiserem, levando bons rendimentos.
Porém, para o país como um todo, nesse momento, estamos entrando num ciclo de reversão da política econômica, pois, para combater o déficit em conta corrente e as pressões trazidas por ele, a tendência é reforçar a cobertura que se fez desse déficit pelas exportações de commodities. Ou seja, a tradição da nossa política macroeconômica em face desse déficit é acelerar a exportação de commodities primárias, alavancando o setor agrícola, especialmente agora, com a pressão dos preços de alimentos. E outra das tradições é elevar a taxa de juros para coibir ou contra-atacar a pressão dos preços dos alimentos.
Essas duas medidas que estão em curso e devem ser alinhavadas mais adiante têm um caráter de inibição do crescimento da demanda interna e do crescimento econômico. Combatem conjunturalmente o aumento de preços dos alimentos, mas não combatem a causa, que está ligada à super-alavancagem das exportações agrícolas, utilizada exatamente para cobrir o déficit estrutural em conta corrente, que agora recrudesceu de forma acentuada.
Portanto, na realidade, esse arranjo macroeconômico do setor agrícola, do setor externo da economia, que aparentemente tivera sucesso até 2007, corresponde a um modelo primário-exportador sem futuro, pois não tem a capacidade de servir ao capital estrangeiro no formato em que se desenhou o programa. O que temos é o setor agrícola, do agronegócio, exportando e o capital estrangeiro gerando déficit em conta corrente. No entanto, chega-se num momento em que se geram pressões tão desmesuradas que a forma de conter esse quadro é novamente abortar o crescimento econômico.
CC: Para encerrar, podemos então dizer que nos deparamos novamente com medidas que mais parecem uma recauchutagem de antigas políticas, que não mexem estruturalmente com a nossa economia? Muda-se tudo pra deixar tudo como está?
GD: Exatamente. A idéia que foi conjuntural hoje é comprada por meio mundo como idéia estrutural. O Brasil passa a ser um exportador líquido de carne - bovina, de frango etc. -, álcool e minerais. A partir desses setores, que têm alta competitividade ou vantagens comparativas naturais, lança-se um saldo expressivo de dólares para cobrir o déficit estrutural da conta corrente.
Mas esse déficit precisa ser estrutural ou resolvido? Em primeiro lugar, será impossível alavancar o setor primário para fazer essa cobertura. Em segundo lugar, ou se encontra um sentido, um futuro, para esse formato de desenvolvimento econômico, ou, ao primeiro espirro da crise financeira, ele vai explodir. São esses cenários que estamos vendo.
Podem acumular as reservas que quiserem, porque esse ajuste macroeconômico em cima do agronegócio, com o setor industrial de alta tecnologia sendo relativamente descartado, não tem substância. Cobre-se uma situação de emergência e depois se passa a uma política de restrição do crescimento, pura e simplesmente para poder gerir a conta corrente.
Mal passados alguns dias, lança-se em grande estilo a Política de Desenvolvimento Produtivo, a partir da desoneração fiscal de vários setores e suporte financeiro do BNDES. Anuncia-se ainda a criação de um Fundo Soberano, para investimentos e apoio a empresas brasileiras no exterior, a ser financiado com o aumento do superávit primário (receitas menos despesas, exceto juros).
Recauchutagem de programas anteriores que rastejam ou ficaram esquecidos, ausência de especificações de critérios concretos de desempenho de setores que irão receber subsídios fiscais, todas essas são questões que, por óbvias, vêm sendo marteladas pelos colunistas da grande mídia.
Quanto ao Fundo Soberano, fará crescer a dívida pública interna, paga a elevadíssimas taxas de juros, para financiar atividades externas de algumas empresas a taxas bem menores. Para o ministro Mantega, no entanto, a operação de financiamento do Fundo é muito comum: trata-se da lógica do velho cofrinho, onde "você ganha o salário, faz as despesas e sobram os recursos. Aí você coloca no cofrinho. Vamos colocar no cofrinho o excedente".
A vida não costuma ser assim tão simples, sabemos todos. Para comentar, portanto, alguns dos aspectos mais complexos envolvidos nas novas medidas, especialmente quando contextualizadas pela atual conjuntura política e econômica, conversamos com o economista do IPEA e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Guilherme Delgado.
Confira abaixo.
Correio da Cidadania: Como você enxerga as mais novas medidas de Política Industrial do governo, lançadas nessa segunda-feira, 12 de maio, com a desoneração fiscal de várias atividades até 2011– totalizando cerca de 21 bilhões de reais - e incentivos de cerca de 210 bilhões de reais do BNDES até 2010 para financiar os setores industrial e de serviços?
Guilherme Delgado: Do ponto de vista teórico, de se promover uma política de desenvolvimento e de incentivar o progresso técnico e as mudanças de competitividade do setor industrial, em princípio, são medidas positivas.
No entanto, o quadro conjuntural no qual nos inserimos e o formato dessas medidas que estão sendo alinhavadas, muito preocupadas em responder à pressão do déficit em conta corrente do balanço de pagamento e à conseqüente valorização cambial do real - o que, na realidade, tira o foco de competitividade do setor industrial -, me deixam bastante reticente com relação à sua eficácia. Isso porque, na realidade, não estão tocando no fenômeno cambial e monetário, que é o fenômeno bastante preocupante no que se refere à competitividade industrial; tocam apenas no lado fiscal, tentando gerar incentivos fiscais compensatórios, na expectativa de que os setores contemplados tenham projetos com mais alta taxa de retorno e voltem a ser competitivos no mercado externo.
Precisaríamos fazer uma análise ramo a ramo, mas o quadro que observamos hoje na economia brasileira, que não é recente, é o de deslocamento da chamada competitividade industrial para aqueles setores de relação mais forte com o agronegócio, por terem tradicionalmente um coeficiente muito baixo de importações e uma presença e avanço mais fortes no setor externo, através das exportações. Tanto que os setores industriais têm estado relativamente precários e fortemente dependentes de importações, até pelo próprio fato de ter havido uma abertura e liberalização muito grandes no setor industrial, o que fez com que várias cadeias fossem perdidas, desmontadas, perdendo potência competitiva.
Nesse sentido, reafirmo que a idéia é, teoricamente, positiva, mas, em função da conjuntura que vivemos, não há certeza de que será eficaz nesse formato em que está sendo desenhada.
CC:Foi também anunciada a criação de um Fundo Soberano, que parece parte dessa pretensa Política Industrial, como forma de apoiar a expansão de empresas brasileiras no exterior. O que vem a ser exatamente esse fundo e qual a sua avaliação sobre o mesmo?
GD: O Fundo é parte de uma briga interna do Ministério da Fazenda com o Banco Central. O BC tem total incumbência e responsabilidade em gerir reservas externas, totalmente descompromissado da política industrial e de políticas de desenvolvimento, e o que quer o Ministério da Fazenda é pegar parte dessas reservas e aplicá-las no BNDES para financiar empresas no exterior.
CC: Por sugestão do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, boa parte dos recursos desse Fundo Soberano viria a partir de economia fiscal – a meta do superávit primário, hoje em 3,8% do PIB, seria ampliada para 5% do mesmo. Ao mesmo tempo, esse novo pacote de medidas do governo prevê a renúncia fiscal. Como essa conta vai ser fechada?
GD: Em princípio, a idéia do Fundo Soberano é boa. No entanto, o Fundo ser apoiado pelo aumento do superávit primário é preocupante, pois, dessa forma, você retira recursos fiscais que de alguma forma alimentam a demanda efetiva interna – investimentos, infra-estrutura, gastos na política social e outros – e injeta diretamente no setor externo da economia. Ou seja, há um preocupante deslocamento de prioridades. Claro que o Fundo Soberano precisa investir, mas deveria investir dentro da meta de superávit primário já existente, isto é, utilizar-se de um pedaço desse recurso para financiar o BNDES, sem aumentar ainda mais o superávit primário do orçamento fiscal.
O que eles dizem é que, se usarem o superávit primário e não a dívida pública, terão uma base fiscal para financiar esses dólares. Essa é a idéia de usar o superávit primário adicional, que geraria os reais para não impactar a dívida. Mas o aumento do superávit primário, já alto, numa economia que precisa se expandir, que tem uma demanda interna em expansão, é uma medida contracionista, criando um processo muito ambíguo.
CC Não se estaria acobertando a idéia de se aumentar ainda mais o superávit primário sob o manto do desenvolvimentismo?
GD: A verdade é que se acaba deixando tudo igual. Conserva-se a política de juros, a valorização cambial, aumenta-se o superávit primário... Isto tudo acaba sendo uma ação entre amigos, em vez de ser uma política de forte reversão das tendências estagnacionistas e de dependência, ou de alavancar o desenvolvimento.
São duas idéias boas, política industrial e fundo soberano, mas, nessa versão e em nossa atual conjuntura, são remendos de tecido novo e velho, cuja conseqüência é aumentar o rasgo, e não costurar o tecido.
CC: Há ainda parte dos recursos desse Fundo que seriam originários da compra direta de dólares pelo Tesouro no mercado de câmbio: ou seja, uma operação tradicional, financiada pela emissão de títulos públicos e com novo impacto altista na dívida pública interna.
GD: O que ocorre realmente ao final é que a dívida tem que ser financiada por tributos ou por nova expansão da dívida. E no caso da expansão da dívida interna, advém um novo custo fiscal uma vez que há um diferencial de juros muito alto entre o mercado interno e o externo. Assim, do ponto de vista de uma verdadeira política de desenvolvimento, o formato no qual está sendo baseado esse Fundo é bastante ambíguo.
CC: Recém anunciado também com grande destaque no noticiário econômico nos últimos dias foi o ‘Investment Grade’ para o Brasil. O que significa esse anúncio no atual momento a seu ver e quais podem ser possíveis efeitos para nosso país? O Brasil está passando incólume pela crise internacional ou virou, de alguma forma, a menina dos olhos do capitalismo financeiro internacional?
GD: ‘Investment Grade’ é uma tábua de salvação que aumenta o tamanho da corda no pescoço. Ele chegou num momento em que o país reverteu, e de forma explosiva, o superávit para déficit na conta corrente. Tivemos no ano passado um superávit de 3,5 bilhões e, nesse primeiro trimestre de 2008, o déficit acumulado é de 15 bilhões, projetando-se 25 bilhões ou mais até dezembro. Na realidade, se esse déficit em conta corrente tem relação, e sabemos que tem mesmo, com a valorização cambial, com a política de industrialização e tudo mais, a emergência da novidade do ‘Investment Grade’ nas operações financeiras internacionais vai aumentar a valorização cambial. Isso acontece, pois se abrem as portas para a entrada de mais dólares, sem que se tenham equacionado os demais fundamentos da economia, principalmente a causa primária desse déficit na conta corrente, como, por exemplo, as remessas de lucros. Com a abertura da conta de serviços vis-à-vis programas de importações industriais que visam a um processo de desmontagem de cadeias industriais pela liberalização, como se vai combater esse quadro com entrada de investimento direto a qualquer custo?
Decorrerá daí mais valorização do câmbio e maior inibição das exportações, e não a diminuição do déficit em conta corrente.
Vejo esse momento com preocupação, porque a alegria e euforia me parecem um pouco equivocadas. Que estejam eufóricos os capitais que vêm aqui até posso entender, pois não estão perdendo tempo, já que têm uma tradição de ir e vir na hora que quiserem, levando bons rendimentos.
Porém, para o país como um todo, nesse momento, estamos entrando num ciclo de reversão da política econômica, pois, para combater o déficit em conta corrente e as pressões trazidas por ele, a tendência é reforçar a cobertura que se fez desse déficit pelas exportações de commodities. Ou seja, a tradição da nossa política macroeconômica em face desse déficit é acelerar a exportação de commodities primárias, alavancando o setor agrícola, especialmente agora, com a pressão dos preços de alimentos. E outra das tradições é elevar a taxa de juros para coibir ou contra-atacar a pressão dos preços dos alimentos.
Essas duas medidas que estão em curso e devem ser alinhavadas mais adiante têm um caráter de inibição do crescimento da demanda interna e do crescimento econômico. Combatem conjunturalmente o aumento de preços dos alimentos, mas não combatem a causa, que está ligada à super-alavancagem das exportações agrícolas, utilizada exatamente para cobrir o déficit estrutural em conta corrente, que agora recrudesceu de forma acentuada.
Portanto, na realidade, esse arranjo macroeconômico do setor agrícola, do setor externo da economia, que aparentemente tivera sucesso até 2007, corresponde a um modelo primário-exportador sem futuro, pois não tem a capacidade de servir ao capital estrangeiro no formato em que se desenhou o programa. O que temos é o setor agrícola, do agronegócio, exportando e o capital estrangeiro gerando déficit em conta corrente. No entanto, chega-se num momento em que se geram pressões tão desmesuradas que a forma de conter esse quadro é novamente abortar o crescimento econômico.
CC: Para encerrar, podemos então dizer que nos deparamos novamente com medidas que mais parecem uma recauchutagem de antigas políticas, que não mexem estruturalmente com a nossa economia? Muda-se tudo pra deixar tudo como está?
GD: Exatamente. A idéia que foi conjuntural hoje é comprada por meio mundo como idéia estrutural. O Brasil passa a ser um exportador líquido de carne - bovina, de frango etc. -, álcool e minerais. A partir desses setores, que têm alta competitividade ou vantagens comparativas naturais, lança-se um saldo expressivo de dólares para cobrir o déficit estrutural da conta corrente.
Mas esse déficit precisa ser estrutural ou resolvido? Em primeiro lugar, será impossível alavancar o setor primário para fazer essa cobertura. Em segundo lugar, ou se encontra um sentido, um futuro, para esse formato de desenvolvimento econômico, ou, ao primeiro espirro da crise financeira, ele vai explodir. São esses cenários que estamos vendo.
Podem acumular as reservas que quiserem, porque esse ajuste macroeconômico em cima do agronegócio, com o setor industrial de alta tecnologia sendo relativamente descartado, não tem substância. Cobre-se uma situação de emergência e depois se passa a uma política de restrição do crescimento, pura e simplesmente para poder gerir a conta corrente.
Sem comentários:
Enviar um comentário