quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

SEM CHAVE PARA O SOCIALISMO, a propósito da Venezuela

Artigo publicado na Revista "A Comuna" pelo líder parlamentar do BE Luís Fazenda, por Carlos Santos, responsável do portal http://www.esquerda.net/, e por Victor Franco.

A Venezuela apresenta uma resposta nacionalista, muito contraditória e confusa, ao domínio imperialista dos EUA na região. Esse enfrentamento tem largo apoio popular e engajou politicamente os excluídos. Mas nada nesta história aponta para qualquer socialismo, tímido que seja.

1. O nacionalismo intermitente
Ao longo do século XX o capitalismo norte-americano saqueou a América Latina. Primeiro, nas matérias primas e no comércio desigual. Depois, também, através da rapina financeira dos mecanismos da dívida externa. Para o efeito alimentou “burguesias compradoras” e dependentes, regimes políticos frágeis, por vezes fantoches. Em muitas situações e países, os EUA fomentaram a imposição de ditaduras militares, numa barbárie sangrenta. Só Cuba, como se sabe, escapou a esse processo a partir de 59, através de uma revolução com foros de libertação nacional. Os períodos democráticos nos vários países foram sempre curtos e instáveis. A relativa generalização de sistemas democráticos na viragem do século constituiu um recuo dos EUA, mas não diminuiu a pressão da pilotagem política da Casa Branca, de ingerência aberta até em alguns estados do norte do sub-continente.
Este quadro, a traços muito grossos, provocou ao longo do século findo e da actualidade a emergência de soluções nacionalistas. Numas nações com a participação da burguesia nacional, noutras sem ela, ou por ser incipiente ou por desacompanhar o nacionalismo. Esse nacionalismo intermitente, umas vezes constitucional, outras vezes por golpe militar ou insurreições, teve vários matizes políticos. Conhece-se de tudo, desde soluções conservadoras a soluções populares. Com a mencionada excepção cubana todas estas vias foram, a prazo, revertidas pelo imperialismo americano.
O confronto chavista entronca nesta tradição latino-americana e bebe ainda muito da cultura da descolonização. O constante apelo aos heróis libertadores é prova disso, Bolívar ou muitos outros. Repare-se que em 92 Chávez e o seu grupo encabeçaram um golpe militar falhado e que em 99 ganharam eleições, o que veio repetindo sucessivamente. Não é o primeiro, provavelmente não será o último, nacionalista anti-gringos que tentou as duas formas de conquista do poder.
O que importa apreciar não é tanto a matriz do movimento chavista mas as singularidades do processo da Venezuela

2. As voltas trocadas
Nos anos 70 e 80, os anos da bonanza petrolera, as elites usurparam as mais valias do preço alto do petróleo. O poder desenvolveu uma ampla rede de clientelas, incluindo mesmo os sindicatos, e uma corrupção estatal em larga escala. O petróleo dava para tudo... Contudo, no início dos anos 90 os preços do ouro negro caem abruptamente. Em reacção, o governo de Andrés Pérez impôs um plano dacroniano de cortes em subsídios e apoios sociais. Privatizou a economia, disparando o défice e a dívida pública. A fraca indústria transformadora entrou em colapso e o país em convulsão. A pobreza atingiu quase 80% da população. Em 98, as revoltas populares alcançaram o pico: a repressão ao chamado caracazo originou centenas de mortos. Desde aí a situação só apodreceu. Tudo mudou com a onda popular que varre o país em 99 e traz Chávez ao poder. Então, o Estado passa a controlar a exploração petrolífera e a reverter para o sector público as receitas mágicas. Curiosamente, quando os preços internacionais do petróleo começaram a subir novamente.
Em prolongada luta, Chávez conseguiu impor uma derrota económica e política aos interesses norte-americanos e aos seus tentáculos corruptos internos no sector petrolífero. Beneficiando das constantes subidas do preço do crude o governo assegura taxas de crescimento de dois dígitos e mantém o pagamento da dívida externa.
A burguesia venezuelana, completamente dependente das companhias e da finança estado-unidense, armou, logo em 2002, um golpe de Estado contra o governo constitucional, de imediato quebrado pela resistência popular. Tentou ainda, em 2004, e perdeu, um referendo para o impeachement de Chávez. Os partidos da direita jogaram tudo contra o fantasma da “cubanização” da Venezuela, que não passou disso, apenas um fantasma. A seguir, quando o capital em Caracas tentou uma via de consenso com o Presidente, inexplicavelmente, os partidos de direita decidiram-se pelo abandono das eleições parlamentares.
Espantam os erros de cálculo. A direita na Venezuela, por ironia, é uma vítima colateral dos erros de Bush. Mas as voltas trocadas da burguesia mostram, de fundo, a inexistência de uma secção importante dessa classe que quisesse assumir as propostas nacionalistas.
E essa é uma especificidade importante: o chavismo reúne a convergência de sectores sociais intermédios, da burocracia estatal e militar, de pequenos proprietários, de trabalhadores pobres e de grandes massas de excluídos. Essa aliança social, nos choques políticos concretos, deu ao movimento um carácter anti-burguês. Para um pacato cidadão europeu aquilo até parece socialismo. Parece, mas não é.

3. O modo do milagre
É assim surpreendente que o governo tenha conseguido a “nacionalização” dos poços petrolíferos da faixa do Rio Orinoco através da compra das acções (até à posição maioritária) da Total, Statoil, Chevron, BP… enquanto as norte-americanas Exxon Mobil e a Conoco Phillips recorriam à arbitragem internacional. Só a Total recebe, para passar a minoritária, 834 milhões de dólares de petróleo. No ano passado, também as “nacionalizações” das empresas de telecomunicações e de electricidade de Caracas, antes sob controlo das multinacionais dos EUA, foram conseguidas com recurso à compra de acções. A compra de 82,14% da Elecar, pela PDVSA, a “Parpública” da Venezuela atingiu 739 milhões de dólares. Os anúncios inflamados das nacionalizações causaram algumas perturbações na bolsa de Caracas, mas os investidores reagiram com optimismo considerando o processo como transparente. O Financial Times aconselhou calma.
Por outro lado, Chávez não promove a nacionalização da banca ou de outras empresas estratégicas para o país. Joga antes em pressões como fez recentemente ameaçando intervir na banca se esta não cumprisse uma recente lei de favorecimento bancário da agricultura, ou sobre a grande produtora de aço SIDOR se esta não reduzisse os preços de venda para consumo interno.
A linha não é nacionalizar até porque há “empresários bons e maus”, ou “há empresários socialistas” como dizia o ministro Haiman El Toudi. A linha é “ocupar” empresas falidas, é criar novas empresas co-gestionadas e cooperativas que vão competir no mercado ganhando pela concorrência (?).
No mínimo, o projecto económico subjacente é discutível. Poderia até ser entendido como um compasso de espera ou uma defesa face ao mercado internacional. Poderia esperar-se, eventualmente, uma economia mista com preponderância pública nos sectores estratégicos. Mas não é isso que se está a verificar quanto ao capital nacional, nem nada indica que seja esse o curso do futuro.

4. Comparações domésticas
Ressalvando o tempo e as circunstâncias, podemos fazer um paralelo com o 25 de Abril português. As nacionalizações por cá, embora limitadas, foram muito mais avançadas. Tal como as expropriações agrárias. Tal como o conjunto dos direitos sociais conquistados, que superam o saldo da “revolução bolivariana”. O paradoxo português foi querer fazer o socialismo “no quadro da NATO”, por onde tudo regrediu.
O movimento popular na Venezuela, ao contrário, enfrentou o imperialismo americano, honra seja, mas como projecto social é bastante mais tímido. Mal se percebe a ideia, ainda em fase embrionária, da implementação das comunas territoriais como “base do mercado do estado socialista”, experiência autogestionária, com 5% (?!) do orçamento de Estado, trabalhando no micro-crédito, na micro-produção, na produção de serviços. Para sectores de economia social, dito alternativo, é muito débil. No caso português, em período pós-revolucionário, a dimensão do sector cooperativo e social foi bem mais marcante, quase sem apoios estatais.
Corre-se sempre o risco de comparar o incomparável. Impõe-se prudência na análise dos contextos. Mas fica a ideia geral acerca da profundidade relativa das conquistas sociais.

5. Missões
Se há léxico político original no chavismo é o das “Missões”.
Chávez iniciou uma política distributiva com base em “missões”. As missões fazem um bypass a uma função pública corrompida e burocrata, iniciam programas de fornecimento de alimentos e refeições a preços baixos, milhares de médicos cubanos levam a saúde aos bairros mais desfavorecidos, outros milhares participam em acções de alfabetização, reingresso na escola, criação de cooperativas de cultivo de terras, formação profissional e criação de oficinas. Estas políticas permitem saltos apreciáveis na redução da pobreza e do analfabetismo.
A questão que se levanta é a da estruturação de serviços públicos permanentes, não por campanhas, incluindo a segurança social que não arranca, embora já tenha lei aprovada.

6. Avarias democráticas
Conhece-se que em processos de transformação social, de conflito de classes, nem tudo poderá ser puro no campo da democracia política. Contudo, não pode deixar de ser democrático.
As frequentes acusações ao chavismo de instauração de uma ditadura não tiveram a menor comprovação. Com vitórias e derrotas, o voto popular foi respeitado. Mas nem tudo é cristalino acerca do regime político. É criticável que o Presidente tenha “convidado” o parlamento a praticamente auto-dissolver-se, durante 18 meses, votando plenos poderes ao chefe de Estado. Ainda para mais quando o parlamento era totalmente das cores da “revolução bolivariana”.
É ainda mais criticável que o projecto de nova constituição, felizmente chumbado pelo povo em referendo de 2007, previsse a reeleição sucessiva do presidente e lhe outorgasse poderes militares e civis excepcionais criando, de facto, um governo unipessoal.
Esta propensão ao caudilhismo em que se estribam todos os movimentos nacionalistas não é apenas redutora da participação das massas, cria um beco para as alternativas políticas.
O culto da personalidade pode fazer um poder, mas destrói um projecto político.
Ainda mais grave é que o caudilhismo, só por si, não é remédio que debele a corrupção generalizada do exército, da polícia, da administração pública. Uma verdadeira democratização e saneamento destes corpos do Estado, que também pontificam no partido governamental, afigura-se essencial para a continuidade da ordem constitucional. Os sectores corruptos podem ser chavistas hoje e golpistas amanhã…


7. Retórica e realidade
O arsenal ideológico de Hugo Chávez é chamativo. Diz do programa do seu Partido Socialista Unido da Venezuela ser etno-índigena, cristão, socialista, patriótico… invoca Cristo, Bolívar, Marx e o que mais for. Já era assim com o movimento V República que antecedeu este partido. Trata-se de uma amálgama ideológica, errática e incongruente, onde só resta como argumento Hugo Chávez himself. Não se insinua nenhuma ideia sobre a construção do socialismo para além daquilo que se pode enunciar como a causa do “alimento universal dos pobres”.
Não é totalmente inédita esta conjunção. Há muitos anos, Fidel Castro já explicou que o “socialismo de Cuba” era tributário da inspiração de José Marti, patriota anticolonialista, e de Marx. Goste-se ou não, em todo o caso, Fidel defendeu a tese com a lógica das etapas do processo revolucionário. A seu modo, mas de uma forma mais séria, fez uma fusão do nacionalismo e do socialismo. Como se sabe a história só se repete como farsa, acidentalmente com Hugo Chávez.
A criação do PSUV é muito atacada por se presumir a intenção de estabelecer um partido único. Chávez reitera que só quer um partido de maioria. Ver-se-á. Os acontecimentos dissipam sempre as dúvidas.
Em quaisquer circunstâncias, Chávez/PSUV é uma plataforma de um projecto nacionalista e popular, com a burguesia interna praticamente intacta e à espreita para tirar partido da inconstância dos sectores dirigentes bolivarianos.
O proclamado “socialismo do século XXI” é assim meramente uma retórica. Vale tanto como o folclore da política externa. Ninguém leva a sério “a frente anti-imperialista” com a China, a Coreia do Norte ou o Irão. Os primeiros a não acreditar nisso são mesmo os presumíveis aliados. Só conta certo e a doer a diplomacia do petróleo. Por este modo a Venezuela afirma-se na globalização económica. Ainda mais importante é a cooperação económica entre os Estados sul-americanos, onde a Venezuela joga papel e tem ascendente político. Basta citar o facto de ter comprado dívida externa da Argentina e preparar-se para comprar parte da dívida externa do Equador.

Este pequeno artigo visa uma chamada à realidade para além da retórica. Apoie-se o que há para apoiar no movimento popular e no processo político da Venezuela. Não pelo que se julga ser, mas realmente pelo que é. A confusão pode ser funesta.

Luís Fazenda
Carlos Santos
Victor Franco

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Mais uma promessa calada: os aumentos intercalares



A justeza da interpelação ao governo, que o BE levou ao parlamento, sobre o aumento das desigualdades em Portugal desta iniciativa é patente para o comum cidadão. Veja-se o dossier do DN de 22 de Fevereiro, os títulos são:
Louçã revela fosso salarial de 32 vezes; Portugal no topo das desigualdades; mais ricos ganham sete vezes mais...
A imagem que mostra a desigualdades correu toda a imprensa. As reacções odiosas também. Os lacaios defensores dos burgueses, os lambe-botas dos patrões saíram irados a terreiro a atacar o líder bloquista. Foi um fartar de ódio.
Mas este debate também mostrou uma outra debilidade do governo: Sócrates prometeu que a função pública não perderia poder de compra. Ora a inflação está superior aos 2,1% e não se diz nada de aumentos intercalares. Sócrates está a ver se nos esquecemos de mais uma sua promessa de “altar”.
Se a imprensa não fosse boazinha com o primeiro-ministro não faltariam títulos e títulos de jornal a mostrarem-no e a porem setinhas para baixo. Mas como a imprensa é boazinha a SIC fez-lhe uma entrevista com perguntas a pedido e todas vindas das reivindicações da direita. E até lhe deram tempo para ele dizer: uma… duas… três… quatro… E dizia: vou repetir, uma… duas… três… quatro…
“Sócrates amigo, o Balsemão está contigo”!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

sábado, 16 de fevereiro de 2008

A luta continua

Carvalho da Silva terminou assim o discurso de encerramento:
"Aqui fica um sério e forte aviso ao Governo e ao patronato, deixando claro que os trabalhadores irão recorrer a todas as formas de luta, não excluindo nenhuma, no sentido de rechaçar qualquer iniciativa que vise consubstanciar mais um ataque aos direitos dos trabalhadores e ao direito do trabalho, que não revogue as normas gravosas do Código do Trabalho ou que corporize a concepção de flexigurança, contida no Livro Branco das Relações Laborais".
E terminou bem. A luta continua, pela revogação de todo o código e pela luta contra um novo!

imagem: http://www.avante.pt/, nela pode ler-se: precári@s de todo o mundo uní-vos!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Grande proposta, o passaporte CGTP. Uma revolução nas mentes sindicais!


Um sindicalista, de nome Oliveira, pôs no site / fórum da CGTP uma proposta de medida que podia ser das mais importantes para este congresso da CGTP.
Escreve Oliveira:
“Passaporte, cartão, livre-trânsito, registo, … tanto faz. O nome não é importante mas o conceito é-o de certeza.No mundo do trabalho deparamo-nos hoje com um conjunto alargado de trabalhadores, na sua maioria jovens, que por via da alta precariedade no trabalho/emprego estão sujeitos a uma rotação profissional alucinante.Hoje caixas de supermercado, amanhã operadores de call center/help desk, depois de amanhã empregados de café, tarefeiros da função pública, vendedores, carteiros, estafetas, professores, seguranças, etc., etc., etc., …São homens e mulheres sujeitos aos mais variados atropelos por parte das entidades patronais (despedimentos sem justa causa, contratos de trabalho ilegais, desrespeito até pela mais elementar legislação de trabalho, coarctação de direitos, assédio moral e sexual, etc., etc., etc., …) e, logo, carentes de ajuda e organização que só os Sindicatos CGTP lhes podem fornecer.Até aqui tudo certo, verdade?E, quando o/a trabalhador/a é sindicalizado/a e já cumpriu os períodos de carência estatutários relativamente ao acesso aos respectivos contenciosos, pré-contenciosos e gabinetes jurídicos, todos sabemos que lhe é prestada a melhor e mais completa assistência na defesa dos seus interesses individuais.Mas, se esse/a trabalhador/a apesar de ter estado dois ou três anos, seguidos, sindicalizado/a em Sindicatos CGTP, ainda não tiver completado o período de carência no Sindicato do qual é associado/a na data da irregularidade de que é vítima? Será líquido dizer-se que obtém atempadamente a ajuda que lhe é necessária ou vai esbarrar em períodos de carência e/ou pagamentos retroactivos por conta dos mesmos?Resumindo, necessitamos de algo que, transversal a todo o MSU, permita que estes/as trabalhadoras/as uma vez filiados/as em Sindicatos da CGTP-IN mantenham essa filiação independentemente dos sectores de actividade por onde andem a rodar profissionalmente. Para eles/as significaria protecção e organização sindical continuada. Para a CGTP-IN e todos os seus Sindicatos a “fidelização” de trabalhadores/as que de outro modo se perderão em grande parte, senão para os sindicatos amarelos, pelo menos para o grupo dos trabalhadores não sindicalizados.
Assim, para além da proposta de inclusão desta matéria no Programa de Acção que farei através da minha organização sindical (que já propôs verbalmente esta discussão num Plenário da Central) , deixo aqui o desafio para uma discussão que possa responder a duas questões que aqui deixo:- Independentemente do nome, é justo? Devemos avançar por aí ou não?- Sendo afirmativa a resposta como implementar essa “ferramenta” e resolver as questões burocráticas, de concorrência sindical, …? “
Oliveira coloca o dedo na ferida: o movimento sindical está espartilhado por inúmeros sindicatos – alguns com poucas centenas de sócios. A precariedade e a instabilidade no trabalho é tal que os trabalhadores quando se chegam a sindicalizar acabam por perder a sindicalização porque entretanto mudaram de empreza.
Ora uma boa maneira de o movimento sindical unitário não perder a sindicalização era esta ser feita directamente na CGTP e não num sindicato qualquer. Essa sindicalização poderia ter quotas cobradas por transferência bancária que depois seria reencaminhada para o sindicato respectivo.
Mas talvez aquilo que parece um problema simples é na verdade complexo porque muitos dirigentes sindicais pensam o sindicato como um castelo seu e não como uma entidade dos trabalhadores.
Mais, isto sugere também um outro debate a seguir a este: que a organização sindical, do MSU, tinha toda a vantagem em ser feita de outra maneira, não por sector verticalizado, mas sim por área de actividade: educação, saúde, indústria… um pouco à semelhança do que se começa a fazer na Europa – com óbvias vantagens na capacidade sindical.
Estas eram grandes medidas…

Vamos ver o que sai do congresso da central.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Reforma tributária e luta de classes

Escrito por Altamiro Borges, publicado em Correio da Cidadania
06-Fev-2008

Diante do rombo de R$ 40 bilhões da CPMF e do temor da recessão nos EUA, o debate sobre a reforma tributária volta a ganhar espaço na mídia. O governo Lula promete enviar uma proposta ao parlamento e trata o tema como algo puramente técnico. Já os mesmos ricaços, sonegadores, tucanos e demos, culpados pelo fim a CPMF, aproveitam o clima de incertezas na economia para exigir menos impostos. Hipócritas, eles alegam que a tributação no país é uma das mais altas do mundo e pregam cortes na “gastança social”. Neoliberais, desatam uma nova onda conservadora em defesa do “Estado mínimo”, embalada numa bandeira que desperta simpatias na sociedade.

O tema da reforma tributária é explosivo. O jogo de interesses que envolve é poderoso. Em certo sentido, a questão tributária é estratégica, já que condensa as contradições de classe na sociedade capitalista. A tributação reflete quem perde e quem ganha neste sistema. Quem banca a máquina pública, quem abocanha os recursos arrecadados, quem sonega e dribla o fisco. Devido às graves distorções deste sistema no país, que ajudam a explicar por que o Brasil ostenta um dos piores índices de desigualdade social no mundo, a reforma tributária é realmente uma forte exigência da atualidade, mas num sentido totalmente inverso ao pregado pelos neoliberais de plantão.

“Vai resmungar na... Europa”

Como revela excelente reportagem de Márcia Pinheiro na Carta Capital, intitulada “Leão atiça a desigualdade”, o sistema tributário brasileiro é dos mais injustos do planeta. “O assustador é que 70% dos impostos incidem sobre o consumo e apenas 30% sobre o patrimônio. Nos países desenvolvidos, a relação é oposta: 60% sobre o patrimônio e 40% sobre o consumo... Estudo do Unafisco [Sindicato dos Auditores Fiscais] comprova como a carga tributária é perversa. Quem ganha até dois salários mínimos gasta 45,8% da renda no pagamento de impostos indiretos, enquanto o peso para famílias com renda superior a 30 salários mínimos corresponde a 16,4%”.

Quanto à suposta fúria do Leão sobre a renda dos ricos empresários e da alta classe média, seria educativo se os adeptos do “Cansei” fossem morar na Europa ou mesmo nos EUA para deixarem de reclamar. O artigo desmonta este outro mito da mídia manipuladora. “A alíquota para pessoas físicas, aqui, vai de zero a 27,5%. Na Argentina, de 9% a 35%. Nos Estados Unidos, de zero a 35%, fora os impostos estaduais. Na França, varia de 5,5% a 40%... O imposto nativo sobre a renda tem baixa participação no total das receitas tributárias, de apenas 6,6% do PIB, enquanto a média dos países europeus é de 13,6%. Além disso, no Brasil, há apenas duas alíquotas, de 15% e 27,5%, enquanto nos EUA existem cinco categorias, o que torna o imposto mais justo”.

A manipulação dos números

Para a especialista Leda Paulani, professora de economia da USP, o sistema tributário brasileiro é injusto porque é regressivo – quem ganha menos paga mais impostos e o setor produtivo é mais penalizado do que os que lucram com a especulação financeira. Para ela, seria necessário reduzir as contribuições que incidem sobre o consumo, que atingem toda a população, e compensar esta perda com o aumento dos tributos diretos sobre a riqueza e a renda. Mas esta briga é titânica e a correlação de forças é adversa no parlamento. “A discussão sobre o patrimônio é a primeira a ser derrubada no plenário em qualquer tentativa de levar adiante a reforma tributária”, contesta.

Quanto ao volume arrecadado, também há muita manipulação. De janeiro a outubro, a Receita arrecadou R$ 484 bilhões – 14% a mais do que no mesmo período de 2006. Parte deste aumento decorreu do próprio crescimento econômico de 5,2% nos três primeiros trimestres. Outra parte derivou da maior eficiência da fiscalização sobre os sonegadores. Além disso, como alerta Amir Khair, ex-secretário de Finanças da capital paulista, outra fatia enriquece os rentistas por meio de juros que remuneram títulos da dívida pública. “Da carga tributária de 34,2%, em 2006, foram abatidos 6,8% em juros. O que a União teve em caixa, na verdade, foi 27,4% do PIB para custeio e investimento. E não os alardeados 40% sempre sacados da cartola dos que reclamam da carga”.

As benesses para os ricaços

Na prática, o trabalhador é quem paga mais impostos no Brasil, já que o tributo é descontado na folha de pagamento. O chamado setor produtivo também sofre em decorrência do efeito cascata dos tributos. Já os tubarões contribuem bem menos proporcionalmente, quando não sonegam ou driblam o fisco através das isenções e elisões fiscais (brechas na legislação) e da informalidade. Parte destes bilhões não arrecadados é desviada para os paraísos fiscais no exterior. No caso da economia informal, Pedro Tolentino, presidente da Unafisco, afirma que é impossível mensurar o desfalque, “mas há cálculos de que, para cada um real pago à Receita, um real é sonegado”.

A revista Carta Capital ainda registra outras três benesses concedidas aos ricaços. Até hoje não foi regulamentado o Imposto sobre Grandes Fortunas, apesar de ser contemplado na Constituição de 1988. Já os latifundiários e barões do agronegócio são beneficiados pelas medíocres alíquotas do Imposto Territorial Rural (ITR), além de contarem com a precária estrutura de fiscalização no campo. “Por fim, os grandes sonegadores abrigam-se no Judiciário, diz Khair. ‘Uma execução fiscal leva anos e anos para ser resolvida’. Não raro, quando a decisão sai, o devedor já fechou as portas, mudou a razão social ou lançou mão de outra manobra para não quitar os débitos”.

De todos os setores da burguesia beneficiados pelo injusto sistema tributário o que menos pode reclamar é o capital financeiro. Principalmente a partir do reinado de FHC, em 1995, a legislação privilegiou banqueiros e rentistas. “A remuneração dos juros de capital próprio permitiu que os cinco maiores bancos do sistema financeiro nacional tivessem uma redução nas despesas com encargos tributários no montante de R$ 2,1 bilhões em 2005. Isso num ano em que lucro líquido das instituições registrou expressivo crescimento de 49,9%, para R$ 18,8 bilhões. Fora que os investidores estrangeiros são isentos de impostos quando adquirem títulos da dívida pública”.


O próximo artigo desta série analisará a regressão tributária nos governos FHC e Lula.


Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Por acções comuns, a nível mundial, contra os inimigos comuns




Da IPS, extraído do portal do Movimento dos Trabalhadores sem Terra - MST.


Por Mario Osava


O integrante da coordenação do MST e da Via Campesina João Pedro Stedile analisa o Fórum Social Mundial e a importância dessa articulação internacional, de caráter antineoliberal e anti-imperialista."Os eventos do FSM serviram também para romper a hegemonia ideológica de total aprovação ao neoliberalismo. Agora, necessitamos gerar espaços de debate mais próximos dos movimentos, das pessoas, dos centros de estudo e das universidades", afirma. O desafio dos grupos que fazem parte do FSM, segundo Stedile, é fazer ações de massa a nível internacional contra inimigos comuns, que representem o imperialismo, as transnacionais, os bancos e os organismos internacionais."As manifestações nas ruas foram e são importantes como instrumentos de propaganda de idéias, mas são insuficientes para deter o neoliberalismo. É necessário avançar para concretizar ações de massa contra os inimigos comuns", acredita.


Leia a seguir a entrevista.


Você acredita que foi uma boa idéia não realizar um encontro este ano, mas atos locais pelo mundo todo?


Não existe o risco de dispersão, perda de identidade, desmobilização nos próximos anos?A Via Campesina sempre defendeu no Comitê Internacional que deveríamos realizar um evento só a cada três anos para priorizar as atividades locais e regionais. Não podemos dispersar recursos, energias só em eventos mundiais. O futuro do FSM depende de termos espaços nos quais mais pessoas possam participar. Por isso, ao contrário, as atividades nacionais, regionais, congregam mais que os eventos mundiais.


Alguns membros do Conselho Internacional do FSM defendem a tomada de posições políticas em temas de consenso. O que você acha?


A Via Campesina Internacional compreende que o FSM é um espaço de debate e intercâmbio de idéias. Seria uma ilusão ou idealismo acreditar que seja possível estabelecer ali acordos mais práticos ou plataformas de maior unidade ideológica. Isso poderia resultar numa dispersão ou pura luta ideológica. Nós apostamos no FSM somente como um espaço de debate, uma chuva de idéias. Já é muito importante nesse período histórico ainda de descenso do movimento de massas mundial, que tenhamos espaços de debate de idéias para, pelo menos, consolidar visões comuns, antineoliberais e anti-imperialistas.


Não há um problema de representatividade no FSM e, inclusive, de democracia interna, com movimentos sociais que abrangem a milhões de ativistas em muitos países tendo a mesma voz que organizações não governamentais locais de poucos membros?


Não há problemas nem de representatividade nem de democracia se compreendermos o FSM como um espaço, onde todas as pessoas estão convidadas a participar e dar suas idéias. É um espaço de reflexão, não de decisão, de elaboração programática etc... Por isso, não necessitamos de cuidados de delegação de poder ou representatividade.


O dramatismo que ganhou a mudança climática não obriga o FSM a mudar suas prioridades, seus temas centrais?


Nossa principal preocupação, nesse momento é manter a agenda em torno da luta contra o neoliberalismo e contra o imperialismo. Obviamente que o tema da mudança climática, das agressões ao meio ambiente estão diretamente involucradas com o modelo de desenvolvimento neoliberal e com as necessidades imperialistas. Certamente esse tema terá maior espaço e preocupação de agora em diante, até porque suas consequências sociais e ambientais estão mais evidentes. Coisa que não eram evidentes há três ou quatro anos atrás. No máximo, para alguns investigadores ou profetas como Boff o enxergavam com maior clareza. Então, não é uma questão de prioridade, mas uma questão de enfoque.


A repercussão do FSM, depois do impacto da novidade dos primeiros encontros, parece haver se reduzido. O que falta para se conseguir uma maior incidência política, na vida das pessoas e das sociedades?


Aquilo que reduziu foi o impacto de um evento mundial, que teve a audácia de se contrapor ao evento de Dávos. Isto é verdade. Já passou a fase da novidade. Naquela época, em 2001, ninguém conseguia ter influência nos meios de comunicação, na opinião pública contra o neoliberalismo. Os eventos do FSM serviram também para romper a hegemonia ideológica de total aprovação ao neoliberalismo. Agora, necessitamos gerar espaços de debate mais próximos dos movimentos, das pessoas, dos centros de estudo e das universidades. Por isso, defendemos que o FSM tem que gerar espaços prioritários de debates nos países e regiões.


Além da sua continuidade e fortalecimento: quais são os ganhos do FSM? Influenciou em alguma coisa para modificar o modelo da globalização? Em que?


O principal ganho é congregar intelectuais e dirigentes dos movimentos sociais do mundo todo para refletir sobre os limites e consequências do modelo neoliberal e imperial. Estávamos num período histórico no qual até um amplo setor da esquerda, especialmente da esquerda partidaria, aderiu a certas teses do neoliberalismo. Outros setores se calaram. Em toda a Europa, e também na América Latina, governos de partidos ditos socialistas aplicaram programas neoliberais, a serviço do capital internacional e financeiro. Foi muito importante gerarmos um espaço de contra-hegemonia neoliberal e dar argumentos e reflexões para que os movimentos sociais pudessem sair da confusão ideológica.


Quais são os limites do FSM? Até onde pode chegar a sua contribuição para a mudança social a qual se propõe?


Os limites do FSM são claros e, por isso, não podemos ter a pretensão de ser uma internacional de trabalhadores. Porque não é. Nem tampouco será o comité central que define linhas políticas para todos os demais. Tem que ser um espaço de reflexão. O desafio é que ao redor do FSM, nós, os movimento sociais, e todas as diferentes formas de organização popular devemos aproveitar para articular ações de massa. Acredito que é mais do que necessário que os setores que possuem base social e influência nas massas devem passar para uma nova etapa que é fazer ações de massa, conjuntas, em nível mundial, contra um mesmo alvo. A unidade ideológica que temos é pequena, mas importantíssima: estamos todos contra o imperialismo, as guerras e o neoliberalismo. Agora, em torno dessa unidade mínima, devemos planejar ações de massa, que representem concretamente uma ação contra o Império, as transnacionais, os bancos, os organismos internacionais, como a OMC, Banco Mundial, FMI, TLCs. As manifestações nas ruas foram e são importantes como instrumentos de propaganda de idéias, mas são insuficientes para deter o neoliberalismo. É necessário avançar para concretizar ações de massa contra os inimigos comuns.


Pesquisas sobre o perfil dos participantes mostram que o FSM composto de uma elite cultural, com uma maioria de escolaridade universitaria e das camadas médias. Isso não contradiz os ideais de inclusão e de mudar o mundo?


É natural que seja assim, quando se analisa o Fórum como um evento mundial para debater idéias. Portanto, necessita de recursos econômicos e de certa formação intelectual. Por isso, é que defendemos reduzir esse tipo de atividades e priorizar atividades de outro tipo.


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sobre o mesmo tema pode ainda ler Boaventura Sousa Santos e Inácio Ramonet ao Portal Esquerda. Outras opiniões sobre o debate estratégico em curso no FSM pode ser lido no portal do FSM aqui

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A tragédia da esquerda italiana


A esquerda italiana é protagonista de uma tragédia. Há alguns anos atrás os euro-comunistas passaram-se com armas e bagagens para o campo da social-democracia e do capitalismo. Sobreviveram um conjunto de comunistas que assumiram a reedição do partido através do Partido dos Comunistas Italianos ou da Refundação Comunista.
Esta liderada por um ex combatente sindical, Fausto Bertinotti, impulsionou os movimentos sindicais e sociais, fomentou a combatividade contra o neoliberalismo aplicado por Silvio Berlusconni.
Foi também o tempo da auge do Fórum Social Europeu e do Fórum Social Mundial. Fausto Bertinotti escreveu então as doze teses (ler aqui). Elas foram um aroma fresco nas perspectivas da esquerda. Porque rompiam os acordos de governo com os partidos social-democratas, porque colocavam a tónica decisiva que o combate ao capitalismo era não só uma importância de alternativa mas também de pura sobrevivência. Fausto escreveu:“O facto de que possa construir-se uma transição procurando uma aliança de governo com os reformistas, facto fixado por uma identidade histórica herdada do passado, sofre um golpe mortal na situação actual".
Por ironia de um destino que parece fadar a esquerda para a capitulação Fausto assumiu as dores da sua própria morte política. A Refundação sustentou o governo Prodi, aceitou o ataque aos serviços e aos funcionários públicos, aceitou a guerra no Afeganistão e até novas bases militares da NATO no seu país (que antes queria expulsar) – tudo em nome do medo do papão de Il Cavalieri. O resultado só poderia ser desastroso.
Foi a própria direita quem lhe fez a folha e obrigou à queda do governo Prodi. Os tristes episódios desta novela tiveram até cenas de agressão em pleno parlamento. Tudo uma vergonha.
As sondagens indicam farta maioria para Berlusconni. A direita e a extrema-direita parecem ter posta a passadeira de acesso ao poder. Mais uma vez, a social-democracia, os partidos da internacional socialista, com a ajuda da esquerda, abrem o espaço político para o regresso da direita.
Novos e fortes ataques aos trabalhadores aí vêem. Novas dificuldades porque aumenta a pressão reaccionária da direita na Europa, porque o centro do império ganha ainda mais alianças no centro da Europa.
O momento político é acompanhado pela recomposição partidária. A Itália está a formatar-se para um poder bipartidário. Na “sujeira de Nápoles” a burguesia italiana parece quer estabilidade.
O PCI, a Refundação e mais alguns vão juntar-se num novo partido. Esta fusão, sem críticas visíveis à política do governo Prodi onde estas forças se inseriam, será mais uma recomposição até ao anúncio da próxima morte?