Jerónimo de Sousa foi entrevistado pelo Jornal Público, no dia em que começa uma nova edição da Festa do Avante – uma das maiores manifestações culturais de Portugal e onde se celebrará a Revolução de Outubro.
O Secretário-geral do PCP valoriza as conquistas da revolução. É justa que assim seja. As conquistas revolucionárias foram pioneiras em todo o mundo e um grande avanço civilizacional. A Revolução de Outubro abriu ainda um manancial de esperança que se propagou exponencialmente pelo mundo.
Mas celebrar as conquistas revolucionárias também é resgatar a filosofia e a alternativa de socialista face ao capitalismo. E isso fica sem saída se não declararmos o espírito aberto para a reflexão sobre o que é que correu mal – em verdade, o socialismo caiu.
A persistência no dogmatismo, na negação de evidências como a fusão entre o partido e o Estado, a imposição do partido único – apesar das diferenciações sociais e de classe, o abandono da democracia popular e a sua substituição pela ditadura dos chefes e pelo Estado policial, a criação e o crescimento de uma nova burguesia, guerreira e opressora, a falência da economia ou o desastre ambiental não se coadunam com os princípios marxistas. E desarma-nos para declararmos como hoje a China é um dos expoentes maiores do capitalismo selvagem.
Transformar o ideal comunista numa fé parece-me contraditório com o materialismo histórico e dialéctico. É coisa que não bate certo.
Mas aqui fica a nota.
Extracto da entrevista de Jerónimo de Sousa:
A Festa do Avante! comemora este ano os 90 anos da revolução soviética. O PCP continua a celebrar a URSS?
Noventa anos da Revolução de Outubro, nós continuamos a celebrar um momento histórico em que o ser humano ousou tocar o céu, procurando libertar-se do regime brutal czarista que trazia um povo inteiro na miséria e na opressão. Foi um acto heróico mas também a resposta a uma necessidade objectiva no plano do desenvolvimento social. A obra realizada por essa revolução, a intervenção dos trabalhadores, a ideia de um país atrasado que chegou a ocupar lugares primaciais no concerto das nações, uma revolução que foi capaz de ter um papel decisivo na derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial, os direitos adquiridos pelos trabalhadores: continua a fazer sentido comemorar a Revolução de Outubro e todas as mudanças sociais que se operaram, tanto na União Soviética, como nos países ocidentais próximos, que sentiram necessidade de reconhecer direitos aos seus trabalhadores. Se há alguma lição a tirar, verifica-se que, após a destruição da URSS, houve como um acerto de contas, em muitos países, para recuperar parcelas do domínio perdido, particularmente dos direitos dos trabalhadores.
Acha que o avanço do neoliberalismo é uma consequência do fim da URSS?
Não é uma consequência, mas há mais condições para [o neoliberalismo] avançar, por haver uma correlação de forças profundamente desfavorável aos trabalhadores e aos povos, para recuperar essa parcela perdida no plano dos direitos, dos salários, dos horários. Há aqui uma tentativa de recuperação, em resultado dessa correlação de forças, por desaparecimento do pólo que condicionava o socialismo nesses países.
O Secretário-geral do PCP valoriza as conquistas da revolução. É justa que assim seja. As conquistas revolucionárias foram pioneiras em todo o mundo e um grande avanço civilizacional. A Revolução de Outubro abriu ainda um manancial de esperança que se propagou exponencialmente pelo mundo.
Mas celebrar as conquistas revolucionárias também é resgatar a filosofia e a alternativa de socialista face ao capitalismo. E isso fica sem saída se não declararmos o espírito aberto para a reflexão sobre o que é que correu mal – em verdade, o socialismo caiu.
A persistência no dogmatismo, na negação de evidências como a fusão entre o partido e o Estado, a imposição do partido único – apesar das diferenciações sociais e de classe, o abandono da democracia popular e a sua substituição pela ditadura dos chefes e pelo Estado policial, a criação e o crescimento de uma nova burguesia, guerreira e opressora, a falência da economia ou o desastre ambiental não se coadunam com os princípios marxistas. E desarma-nos para declararmos como hoje a China é um dos expoentes maiores do capitalismo selvagem.
Transformar o ideal comunista numa fé parece-me contraditório com o materialismo histórico e dialéctico. É coisa que não bate certo.
Mas aqui fica a nota.
Extracto da entrevista de Jerónimo de Sousa:
A Festa do Avante! comemora este ano os 90 anos da revolução soviética. O PCP continua a celebrar a URSS?
Noventa anos da Revolução de Outubro, nós continuamos a celebrar um momento histórico em que o ser humano ousou tocar o céu, procurando libertar-se do regime brutal czarista que trazia um povo inteiro na miséria e na opressão. Foi um acto heróico mas também a resposta a uma necessidade objectiva no plano do desenvolvimento social. A obra realizada por essa revolução, a intervenção dos trabalhadores, a ideia de um país atrasado que chegou a ocupar lugares primaciais no concerto das nações, uma revolução que foi capaz de ter um papel decisivo na derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial, os direitos adquiridos pelos trabalhadores: continua a fazer sentido comemorar a Revolução de Outubro e todas as mudanças sociais que se operaram, tanto na União Soviética, como nos países ocidentais próximos, que sentiram necessidade de reconhecer direitos aos seus trabalhadores. Se há alguma lição a tirar, verifica-se que, após a destruição da URSS, houve como um acerto de contas, em muitos países, para recuperar parcelas do domínio perdido, particularmente dos direitos dos trabalhadores.
Acha que o avanço do neoliberalismo é uma consequência do fim da URSS?
Não é uma consequência, mas há mais condições para [o neoliberalismo] avançar, por haver uma correlação de forças profundamente desfavorável aos trabalhadores e aos povos, para recuperar essa parcela perdida no plano dos direitos, dos salários, dos horários. Há aqui uma tentativa de recuperação, em resultado dessa correlação de forças, por desaparecimento do pólo que condicionava o socialismo nesses países.
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