segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O feminismo contra a luta de classes?



“É um dos últimos maîtres à penser do século XX francês”. Dizia o jornal Público, na edição da P2 de domingo 9 de Dezembro, que pode ser lida na sua página. A entrevista de Alain Touraine, um sociólogo das correntes pós-modernistas, merece umas notas, embora rápidas, singelas e curtas.

Pergunta o “Público”: Que sociologia representa o senhor, 32 anos passados?

R: Houve, evidentemente, grandes transformações. Mas quando olho para o meu percurso vejo uma grande continuidade. A minha grande tarefa foi a de fazer uma sociologia do sujeito. O primeiro trabalho que fiz foi sobre a consciência de classe dos operários. Era um tema sobre o qual não havia praticamente nada escrito. Em particular, pelos marxistas. A explicação está nas contradições do sistema capitalista, dizem. Eu digo que não.
Porquê?
O estudo levou-me anos. Vi milhares de operários. A minha resposta foi: a consciência de classe atinge o seu ponto mais alto no momento em que a autonomia do trabalho operário, em particular na metalurgia, é destruída pela organização do trabalho, pelo fordismo, pela lógica do lucro capitalista, se quiser. Demonstrei que a seguir, quando se entrava nas empresas informatizadas, a consciência de classe baixava. Dizia o que digo ainda hoje: tudo depende da autonomia, da liberdade do indivíduo.
1ª nota breve:
A: A consciência de classe é um processo em formação. A consciência, de si para si, faz-se na luta política contra a exploração e nos processos constituintes que advêm da realidade concreta da luta no sistema capitalista. Os trabalhadores da Valorsul poderão ter assimilado um mais elevado sentido de classe, não no sentido declarativo ou simbólico da frase mas na assunção da sua acção enquanto conjunto, de que cada um faz parte e tem consciência disso, enquanto classe que luta contra outra classe. A consciência do papel histórico da classe trabalhadora, ou seja a sua consciência de que enquanto classe tem uma alternativa política ao capitalismo, que foi fundamental no século passado, estará hoje a níveis baixos, talvez até muito baixos, mas existe. É portanto um processo em que o indivíduo é sujeito enquanto colectivo – enquanto classe. Um sujeito tanto mais forte quanto a nossa acção colectiva e a nossa capacidade de (in)formação conseguir desenvolver.
B: O problema da consciência de classe nas novas empresas tecnológicas e de serviços terá a ver com outra questão: a implantação do toyotismo e o predomínio da comunicação (ou da manipulação global da consciência das massas) que elevou a factores sem precedentes a alienação do proletário. E este não é mais o operário metalúrgico: e todo aquele que vende a sua força de trabalho, não têm propriedade dos meios de produção nem assume neles papel de direcção.

Qual é o seu balanço? Os operários, por exemplo, quase desapareceram...
Não desapareceram. São mais do que se pensa. Em França, um em cada dois lares tem um operário ou uma operária. Representam 25 por cento da população activa. Já não são é personagem histórica.
2ª nota breve:
Touraine apenas assume como proletários os trabalhadores dos sectores industriais. Mas como está mais do que provado, a participação no processo de mais valias está hoje estendido por quase todo o sector dito de serviços. Por exemplo: nos supermercados fabrica-se pão e bolos, embalam-se produtos; no trabalho de design introduz-se valor … ou seja o proletariado está hoje muito diversificado, fragmentado e complexo, mas não deixa de ser proletariado. Os precários, os imigrantes, os desempregados são parte integrante da classe.

A sociologia deixou-os de parte, levada por outros temas, mais na moda?
Não. Observou que o mundo operário e o mundo sindical já não são um actor central da história. Por um conjunto de razões, entre as quais a fragmentação do mundo operário, o trabalho temporário, os contratos a prazo, a chegada de trabalhadores estrangeiros.
O problema que sempre me interessou: quem substituiu os cidadãos de Paris que fizeram a Revolução [de 1879]? Os operários.
Quem substitui hoje os operários [como actor central da História]?
Quem é?

São as mulheres.
Como? Porquê?
Não as mulheres enquanto mulheres, mas porque, hoje, como vemos no quotidiano, o essencial é a preocupação consigo. Le souci de soi é, de resto, o título de um dos últimos livros de Foucault. Nisso, eu penso como ele. A tradição vem da antiguidade clássica e passou ao cristianismo. O sujeito abstracto pertence aos séculos XVII, XVIII. Depois, pensava-se com base nas determinantes económicas, psicológicas, Marx, Nietsche, Freud. Hoje, 150 anos depois, redescobre-se a autonomia do sujeito, o papel essencial da reivindicação de ser um sujeito na situação actual. A preocupação com o corpo, com a imagem, consigo mesmo são aspectos elementares, mas obviamente importantes. E há essa preocupação maior - não apenas nas mulheres, não apenas nos homens - de construir a própria identidade.
2ª nota breve:
Não há dúvida que existe uma contradição de género na sociedade. Ele começa no proletariado feminino que se alargou exponencialmente mas que tem salários mais baixos, maior precariedade e maior desemprego. Mas também porque a mulher luta hoje contra a sociedade patriarcal que o capitalismo ainda impõe – particularmente em Portugal. Foi a difícil luta pela despenalização do aborto, é a dupla jornada de trabalho, a limitação à intervenção social, mas também o facto da burguesia continuar a guardar os seus lugares de comando e propriedade para os homens. Veja-se quem é hoje os presidentes dos conselhos de administração? Veja-se quem fala hoje como donos das empresas?
Mas esse facto, a contradição de género, não elimina a determinante contradição de classe – antes pelo contrário. A luta do proletariado contra a burguesia precisa de dar destaque a todas as contradições que enfraqueçam o sistema capitalista e o regime de dominação. Outro facto é acreditarmos que a contradição de género poderá ser resolvida no capitalismo, o que até nas experiências passadas de socialismo não foi resolvido.

Enquanto o ouvia falar na autonomia do sujeito, na conferência, tomei a seguinte nota, que é uma pergunta: "Sim, o sujeito. E a estrutura? O global? E o poder que oprime e guia e determina e está para além dos olhos? Em mundos onde não chegamos: no capital financeiro, na tecnociência?"
É verdade. A realidade de hoje é a globalização. Hoje há poderes mundiais que não são controlados por ninguém. Há redes. Há mercados… ninguém consegue controlar esta coisa imensa, salvo, talvez, outra coisa ainda maior - guerras religiosas, jihad contra jihad.
O que resta, então?
O sujeito? ... o indivíduo contra todo o mundo?

Contra o todo.
3ª nota breve:
Como é mais que evidente todos os poderes globais são controlados. Em último recurso pelo domínio económico, político, militar e ideológico do “conselho de administração” do capitalismo que junta as principais potências e os principais monopólios. A NATO é amplamente controlada, a OMC, o FMI, o Banco Mundial… a comunicação de massas…
Os mercados são amplamente controlados por pouco mais de duzentas empresas que detêm o controle da produção e do comércio mundial, e tenderão a ser mais com os contínuos processos de fusão.
As massas é que poderão um dia não ser controláveis. Agindo conscientemente, percebendo o seu papel e o seu objectivo, não o indivíduo contra todo o mundo mas os proletários contra a burguesia. A escala em que isso acontecerá é que ainda não se sabe.

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