sexta-feira, 29 de junho de 2007

Novas leis de trabalho, pior é difícil

As novas leis de trabalho que o PS pretende impor, (ler DN) aparecendo pela dita comissão técnica do livro branco - por si nomeada, é a coisa mais à direita até hoje vista. O PS que se afirmou opositor ao Código de Bagão sai agora pela direita desse Código. O PS que tinha prometido alterações positivas às leis de trabalho aparece agora na linha da extrema-direita patronal.
Os patrões, à boleia da flexisegurança e da presidência portuguesa da Europa aplaudem as medidas do governo e continuam - até nós comermos uma malga de arroz - com o fantasma da competitividade.
Luís Fazenda, em intervenção na AR denunciou as novas propostas "ultraliberais". Veja aqui a intervenção.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

A nova Divisão Internacional do Trabalho: o "colarinho branco"


25-Abr-2007
Escrito por Ursula Huws
Menos estudada – pelo menos até bem recentemente - tem sido a nova divisão internacional do trabalho de colarinho branco. Contudo, essa também tem se modificado, desde os anos 1970, quando tarefas mais simples, como registro de dados e digitação, começaram a ser exportadas em massa da América do Norte e da Europa para economias de custo menor como o Caribe e os países do sul e sudeste da Ásia; enquanto serviços mais qualificados, como programação de computadores, começaram a ser exportados do mundo desenvolvido para economias em desenvolvimento, tais como a Índia, as Filipinas e o Brasil.
Em 2.000, o primeiro projeto destinado a mapear e medir o desenvolvimento de uma nova divisão do trabalho internacional, num processo de informação tele-mediada, foi lançado sob a sigla “Emergence”, que significa Estimation and Mapping of Employement Relocation in a Global Economy and the New Comunications Environment” (Estimativa e Mapeamento do Processo de Realocação do Trabalho na Economia Global e no Novo Ambiente das Comunicações).
“Emergence” foi inicialmente financiada pela Sociedade para Informação da Comissão Européia a fim de promover pesquisa em 15 Estados, então membros plenos, além dos candidatos: Hungria, Polônia e República Checa. Depois esse projeto recebeu mais fundos para levar a cabo pesquisas semelhantes na Austrália, nas América e na Ásia.
A pesquisa desenhou um quadro multifacetado da nova, complexa e rapidamente cambiante divisão internacional do trabalho no serviços de informação.
A primeira pergunta do questionário era: até que ponto os empregadores estão utilizando realmente as novas tecnologias para realocar o trabalho? Uma pesquisa foi feita em 7.268 estabelecimentos, com 50 ou mais empregados, em 18 países europeus; e outra semelhante em 1.031 estabelecimentos de todos os tamanhos na Austrália. A pesquisa observou sistematicamente os locais onde sete serviços genéricos de negócios se efetuavam.
Esses serviços eram: atividades criativas e geradoras de criatividade, inclusive pesquisa e desenvolvimento; desenvolvimento de software; registro de dados e digitação; funções de gerenciamento (inclusive administração de recursos humanos e treinamento, assim como logística de manejo); funções financeiras; atividades de vendas; e serviços ao cliente (inclusive aconselhamento e informação ao público, assim como atendimento depois da venda).
Para cada função, a pesquisa observava até que ponto ela era executada à distância, usando ferramentas eletrônicas (“e-work”), e se este serviço era realizado na própria firma ou terceirizado.
Os resultados apresentaram um quadro expressivo da extensão em que tais serviços, já no ano 2.000, haviam sido realocados. Na Europa, perto da metade de todos os estabelecimentos já realizavam pelo menos uma função usando remotamente um link de telecomunicação para cumprir a tarefa; cerca de um quarto o faziam na Austrália.
Ainda mais impactante que o alcance total do e-work é a forma tomada por ele. A maioria da literatura sobre o trabalho remoto, telecommuting, teleworking, ou qualquer outro pseudônimo para e-work, pressupõe que sua forma dominante seja o trabalho interno (feito na própria firma). Contudo, esses resultados mostram que o estereótipo do empregado e-worker que trabalha exclusivamente na firma é uma das formas menos comuns. Mais ainda: o peso do e-working executado na própria firma é grandemente ultrapassado pelo trabalho terceirizado como mecanismo para organizar o trabalho à distância - 43% dos empregadores europeus e 26% de australianos adotavam essa prática.
Muito da terceirização é executada na própria região da sede da firma (34,5%), mas um número representativo (18,3%) usa firmas localizadas em outras regiões do mesmo país e 5,3%, em firmas de fora de suas fronteiras nacionais. Essas realocações de trabalho inter-regionais e internacionais (algumas vezes intercontinentais) dão a chave para a geografia da nascente divisão internacional do trabalho nos serviços eletrônicos (e-services).
Quais os principais fatores que impulsionam esse movimento de buscar serviços fora das fronteiras nacionais? No alto da lista, está a procura da especialidade técnica apropriada. Somente quando ela já está disponível, fatores secundários entram em jogo, tais como confiabilidade, reputação e baixo custo. Mais que nada, é o fator competência que explica a importância da Índia como supridora de “e-services”. Com sua vasta população, ela parece oferecer um quase ilimitado suprimento de graduados em ciência da computação fluentes em inglês. Uma pesquisa em duzentas das maiores companhias do Reino Unido, encomendada em 2.001 pela principal fornecedora “out-sourcer”, descobriu que a Índia era a preferida de 47% dos gerentes como centro de desenvolvimento em software no estrangeiro.
Já há sinais, porém, de que o mercado indiano de softwares está superaquecido, apesar da drástica queda da demanda norte-americana. Algumas companhias indianas já se transferiram para posições intermediárias na cadeia produtiva e estão, elas mesmas, destinando serviço a outros locais como Rússia, Bulgária, Hungria e Filipinas.
Para atividades de menor valor agregado, como registro de dados, países mais baratos como Sri Lanka, Madagascar e República Dominicana têm se firmado como alternativa de parceiros anteriores (Barbados e Filipinas). A China, com uma população ainda maior e custo mais baixo do que a Índia e com a determinação de conseguir um papel de liderança na “e-economy”, tem ganhado espaço.
Diferentes funções da empresa requerem diferentes tipos de trabalhadores. Funções pouco categorizadas, como registro de dados e serviços ao cliente, tendem a usar grande número de trabalhadores que costumam ser mulheres; funções mais complexas, como desenho de sistemas, geralmente empregam menor número de trabalhadores, em geral homens.
Como as companhias dispõem para escolha de opções globais, elas se tornam mais exigentes quanto a para onde ir, buscando fornecedores ou lugares na base da excelência (“horses for courses basis”/cavalos de corrida). Nesse processo, algumas regiões como Bangalore (Bangalore é o exemplo clássico) desenvolvem reputação mundial de excelência em determinado campo, enquanto outras ficam completamente superadas. Grandes regiões do mundo, incluindo a maior parte da África Subsaariana e Ásia Central, foram classificadas pelo projeto Emergence como “e-perdedoras”.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

O liberalismo de esquerda tem futuro?



Introdução
1. Os métodos de lançar o ataque ideológico.
2. A ética varre a economia para debaixo do tapete.
3. As palavras de Sócrates.
4. Democracia e opinião pública.
5. O perigo do grande centro.
6. Igualdade e oportunidade.
7. Igual importância e mérito.
8. Igual importância e responsabilidade.
9. O princípio do fim da segurança social.
10. Há espaço para um liberalismo de esquerda?


Introdução
O governo Sócrates tem mantido um assinalável apoio, expresso em sondagens, apesar de algumas boas jornadas de luta social, que se expressam em picos, e de uma greve geral tirada a ferros. Conhecemos os conteúdos da sua política, mas muitas pessoas são iludidas pela argumentação de que “não há alternativa”, “os sacrifícios tem que ser para todos” ou que é “preciso sacrifícios para defender e garantir o futuro do Estado social”…
Estará Sócrates a resistir ao neoliberalismo embora cedendo no particular para assegurar o essencial, numa “terceira via” que não garante a situação existente mas também não cede tudo à direita, que abre caminho entre «duas visões entrincheiradas sobre o futuro da protecção social (a dos liberais a qualquer custo e a do imobilismo conservador)»[1]?
Enquanto o governo inunda o país com a sua demagogia permanente alguns tentam teorizar essa “terceira-via” salvadora, contra todos os dogmas, todas as injustiças, todas as faltas de ética e de moral.
É nessa tentativa que vem José Conde Rodrigues (JCR), actual Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, que desenvolveu um conjunto de temas no Instituto de Estudos Políticos na Universidade Católica, com o apoio do Prof. João Carlos Espada, e que traz à edição no livro com o título “A política sem dogma”[2].
É no argumentário desse livro, e em artigos de imprensa co-relacionados que este ensaio criticamente se coloca.
Assumidamente defensor do «liberalismo de esquerda» JCR concentra os seus ensaios em três abordagens essenciais: A democracia, a igualdade e a governação; a Filosofia Moral e a política, partindo da obra do iluminista David Hume[3]; a soberania, os nacionalismos e a Europa. É sobre as duas primeiras abordagens que este texto se concentra, essencialmente de forma descritiva.

1. Os métodos de lançar o ataque ideológico.
A primeira coisa que salta à vista na forma como os sociais liberais, ou os conservadores puros, lançam a luta ideológica é o modo como algumas asserções são introduzidas. Declaradas pura e simplesmente apesar de serem os pilares da sua argumentação ideológica, apresentadas como conclusões irrefutáveis – na verdade elas sim dogmatizadas – não suportadas em premissas verdadeiras e fidedignas, sem apresentação e rebate de contra-exemplos, não ou insuficientemente argumentadas, não explicam como as causas conduziram aos efeitos ou às conclusões e assentes em falácias suportadas sem dados ou por dados parciais, insuficientes e que ignoram alternativas. Em nome da luta contra os dogmas são eles que começam pelos dogmas.
Um dos exemplos mais comuns é dado por Anthony Giddens, teórico da terceira-via: «o Estado mostrou-se incapaz de gerir empresas de forma directa»[4]. Este argumento, tornado dogma, também dito profusamente por todos os teóricos neoliberais, tem inúmeros contra-exemplos: A EDP e a electrificação global do país, os Serviços Municipalizados, a EPAL e a distribuição de água, a PT e a construção nacional de uma rede e um serviço público de telecomunicações, os CTT e a distribuição postal, o Serviço Nacional de Saúde e a diminuição da taxa de mortalidade, a Brisa e a construção de uma rede de auto-estradas… são exemplos de empresas e serviços que, quando para isso foram direccionadas, antes de iniciarem os caminhos da privatização, prestaram um amplo serviço público e ajudaram a criar desenvolvimento e postos de trabalho.
Quem desenvolve estas afirmações omite que o avanço do neoliberalismo preparou, durante muitos anos, a privatização das empresas de serviço público e foi mantendo no Estado apenas aquelas que, por necessitarem de elevados investimentos ou terem dificuldade rentabilização capitalista imediata, lhes dificultava tomar posse. É por isso que no mesmo texto, Giddens afirma que «a função do Estado deve ser, por vezes, alargar o papel dos mercados, não reduzi-lo, ou ajudar os mercados a funcionar de uma maneira mais eficaz». É precisamente para isso que o Estado tem sido usado, com as privatizações, com a destruição do salário indirecto, com uma política fiscal favorável ao capital, favorecendo a acumulação privada do capital, de propriedade, interesses e gentes concretas, uma classe concreta, a burguesia.

2. A ética varre a economia para debaixo do tapete.
A segunda coisa que salta à vista no livro de JCR é a omissão da economia, das diferentes opções políticas e económicas, e dos interesses sociais objectivos que são inerentes ao poder. Imperialismo é uma palavra excluída, as características do capitalismo moderno, as transnacionais e a guerra são remetidas para a quase completa ausência. Coisas de somenos, por certo.
JCR evidencia (na linha do livro de Sottomayor Cardia, “Socialismo sem dogma”) «a transformação das ideias socialistas a favor do mercado… o fim dos velhos dogmas da esquerda»[5] e reconhece «esclarecedora» a afirmação de Tony Blair de que «não há uma gestão económica de direita ou de esquerda, mas apenas uma boa e má gestão»[6] no sentido de que «o debate deve ser direccionado para as questões sociais, para a discussão da cidadania social».
No lugar da economia como lugar societário central e decisório, surge a «ética na esfera pública», «mais do que discutir a propriedade dos bens, ou, por outras palavras, se o melhor é a defesa do privado ou do colectivo na economia, hoje o importante é discutir o âmbito da cidadania, o retorno do político, a liberdade responsável»[7]. «A social-democracia e o socialismo democrático devem ser dissociados de qualquer doutrina económica, pois as suas preocupações sociais constituem mais um impulso de natureza ética…»[8]. Uma espécie de política-detergente – é a que lava mais branco. Talvez isto ajude a perceber as dificuldades que o PS tem conseguir demonstrar que é um partido de esquerda.
Mas JCR esclarece melhor o seu sentido de cidadania quando diz que «a esquerda não pode identificar-se pela manutenção dos privilégios… a lógica da decisão política não se pode compadecer com a opinião de determinados grupos apenas porque fazem mais ruído, ou têm maior peso eleitoral» pelo que «há que enfrentar esse tipo de lógica corporativa», «as greves, por exemplo, que são um direito constitucional, não devem servir para objectivos de política geral que ponham em causa a capacidade de decisão dos representantes eleitos pelo povo. Mas isso acontece». JCR defende que «um dos pecados da governação é precisamente o excesso de concertação» pelo que «um Estado forte, com autoridade, também define o fim do ’complexo de esquerda’…»[9].
Compreende-se, como diz JCR «cada um ao seu jeito defende o iluminismo liberal por oposição a um iluminismo radical, igualitário. Cada um a seu modo, defende o gradualismo, a tradição, contra a arrogância da razão, a busca da verdade, contra a utopia, o respeito pelas regras gerais, cultivando as virtudes cívicas e morais»[10]. Há a «necessidade urgente de re-encantar o mundo… pelo retorno de um sujeito ético, com sentido de responsabilidade, activo e criador, que combine de um modo razoável conhecimento e emoção»[11].

3. As palavras de Sócrates.
Quem não reparou já na forma como Sócrates argumenta em favor das suas posições? Discursos onde as palavras razoável, justiça ou injustiça, moral ou imoral, bom senso, ou imparcialidade são usadas com muita frequência. São palavras entendidas como argumentos válidos pelo comum dos cidadãos mas são palavras muitas vezes subjectivas, usadas para esconder o verdadeiro sentido económico e político das medidas. Eis onde JCR enquadra os «pressupostos da decisão política: representatividade, razoabilidade e imparcialidade». Representatividade que «é dada ao governo pelos resultados eleitorais que representam a vontade popular… cuja eficácia apenas pode ser aferida ao fim do mandato»[12]; razoabilidade, porque «as decisões políticas devem ser razoáveis e não as ideais… e como em quase tudo ninguém é dono da verdade… as decisões são tomadas por quem foi eleito numa óptica de custos e benefícios sociais equilibrada» sendo que «as decisões mais difíceis nunca agradam a todos e as sociedades só progridem porque em determinada altura alguém decide para lá dos consensos ideais. Se assim não fosse não era difícil governar ou os Estados deixariam de ser necessários…»[13]; imparcialidade porque «as decisões políticas não podem nem devem, visar a satisfação de interesses particulares ou de grupo, sob pena de porem em causa o próprio princípio da igualdade de todos perante a lei», porque «o particular pode e deve defender o seu interesse, mas o político tem que ver mais longe e defender o interesse mais vasto da comunidade. Nisto consiste a imparcialidade, face a interesses privados, previsivelmente afectados pela decisão»[14].
Compreende-se porque o governo não cede aos interesses particulares e corporativos (aos trabalhadores, que não aos patrões), tem uma posição “imparcial” no Conselho de Concertação Social – medeia responsavelmente entre patrões e empregados –, e repete permanentemente que a representatividade que lhe foi dada pelo voto popular. Enquanto isso, o CCS vai sendo usado para legitimar o “diálogo social” com uma UGT agindo de traição em traição e uma CGTP incapaz de aí fazer agenda ou mediatização. No parlamento a maioria PS decide.

4. Democracia e opinião pública.
E qual o valor e o modo da democracia entendida por JCR, tanto mais que a participação popular é remetida para o acto eleitoral? JCR compreende também a importância da disputa da opinião pública mas valoriza-a de modo diferente e retira daí consequências interessantes. Vejamos:
«A opinião pública passou a ser o grande juiz das democracias tendo por base as sondagens e os inquéritos de rua… cada decisão precisa de ser legitimada na “praça pública”, quer através da sondagem, quer através dos órgãos da comunicação social… são os barómetros da popularidade que ditam as regras. Os governantes estão cada vez mais dependentes do imediatismo, do jogo do “real” em “directo” (Sócrates é bem o exemplo do homem-tv)… daí retirando a consequência de que «a medição quantitativa da actuação dos governantes constitui a determinante fundamental, deixando para trás o aparelho do partido, o “lobby” de classe ou mesmo os princípios orientadores de um qualquer modelo abstracto de sociedade». «Hoje em dia verifica-se que as contestações são orientadas por questões “terrenas”, que têm sobretudo a ver com “direitos adquiridos” do ponto de vista social, fruto da sociedade de “Bem-Estar”, rosto da sociedade de consumo, que conseguiu instalar-se com sucesso nas últimas décadas».
E daqui tira as seguintes ilações: «as grandes narrativas desapareceram», «entrou-se na era da democracia da opinião» e, interessante, «a democracia representativa e o seu par social estão em profunda crise. Como tudo isto irá acabar não se sabe, pois os determinismos sociais passaram de moda»[15].
Questionado, em entrevista por um jornalista, se se distancia muito dos apelos à democracia participativa feitos pelo Bloco de Esquerda JCR responde «que a dita “democracia participativa” acaba por cair sempre na demagogia e no populismo»[16].
A par da diminuição da democracia económica, os social-liberais têm mantido ou implementado condições mais difíceis de participação e cidadania. As leis eleitorais são disso um exemplo. “Cláusulas de barreira” para acesso aos parlamentos, círculos eleitorais uninominais, sistemas políticos bi-partidários por forma a restringir o acesso ao poder a apenas dois partidos – os do centro, os da estabilidade do regime capitalista - executivos monocolores no poder local, limitações do direito à greve e à manifestação… o controlo dos meios de informação e a formatação das culturas e mensagens emitidas por esses meios concentra-se no pensamento único.

5. O perigo do grande centro.
JCR revela ter a consciência do embaraço em que o regime capitalista pode cair. Por isso, alerta que «refugiando-se no consenso, os políticos do “grande centro” deixam pouco espaço para as aspirações populares, provocando cada vez maiores franjas de descontentamento nas margens da sua intervenção. Isto é, quanto maior parece ser o consenso ao centro, maior o perigo de crescimento da exclusão radical à sua volta». Reconhecendo que o conflito «é fundamental para arejar a democracia» alerta para que «as clivagens devam ser fortalecidas em torno dos programas sem pôr em causa o sistema e as regras de jogo. Se assim não for, corre-se o risco de gerar abusos que, à sua margem, e contestando os seus programas, acabam por conseguir destruir o próprio sistema». «Sejamos prudentes… a agitação começa a notar-se no fundo do lago… as ideologias ainda não desapareceram e sempre que se pretendeu acabar com algumas, outras surgiram…»[17]. Talvez seja com estas preocupações que o PS pretende rever as leis eleitorais.
Para JCR «o liberalismo clássico, o retorno da ética, o regresso dos valores e da pertença comunitária constituem as novas referências para a esquerda nos dias de hoje. A preocupação deve ser a de humanizar o capitalismo, não o deixando cair numa utopia escatológica, finalista, de sinal contrário à velha utopia comunista»[18].
Mas, então, o que têm sido estas políticas do grande centro? Em boa verdade políticas de submissão ao neo-liberalismo, políticas cooptadas pela agenda conservadora. É o que vimos por toda a Europa, ataques ao Estado social, à segurança social e às legislações de trabalho, privatizações sucessivas, financiamento dos capitalistas através do orçamento de Estado, destruição das políticas retributivas…
Têm sido as políticas do grande centro que têm aberto as portas à extrema-direita, e em nome do seu temor abraçam políticas cada vez mais conservadoras como é o exemplo da imigração.
JCR tem razão numa coisa: a agitação começa-se a notar no fundo do lago. Mas para que ela progrida é necessária a afirmação de políticas alternativas.

6. Igualdade e oportunidade.
Um dos suportes mais significativos, e comuns, na argumentação social-liberal e neoliberal diz respeito ao papel do Estado na promoção da igualdade entre as pessoas. JCR começa por sinalizar o seu ponto de partida, o «centro-esquerda» e o abandono de um qualquer ideal de igualdade que procure os resultados para todos. Deixamos de parte a velha[19] esquerda com a sua utopia assente na redistribuição de todos os bens primários, ou outros, para alcançar a igualdade plena. Ou seja, esta forma de garantir a igualdade de resultados não é só impossível como indesejável»[20].
«A esquerda não se pode caracterizar por distribuir resultados iguais para todos, mas sim por criar igualdade de oportunidades»[21]. JCR defende que «só um conceito de igualdade que tenha em conta a complexidade das diferentes posições ou esferas em que o indivíduo interage garantirá a evidente diversidade que caracteriza a circunstância humana»[22], ou seja «uma igualdade que se afirme como relação multifacetada entre as pessoas, medida por uma série de bens sociais[23], e não por qualquer identidade de posse ou da relação com os seus bens»[24].
Ou seja, todos têm igual acesso ao ensino superior desde que se pague propinas, todos têm acesso ao sistema de saúde desde que se pague taxas moderadoras… essa é a igualdade que esconde a desigualdade. Por isso são necessárias políticas redistributivas da riqueza, serviços públicos gratuitos, reentrega aos trabalhadores do seu salário indirecto.
Quanto a igualdade de oportunidades, como foi profusamente noticiado pela imprensa, o exemplo norte-americano é bem elucidativo. O país das oportunidades é o país do mundo que mais mantém a exclusão e a segregação social, é o país que menos possibilita aos pobres saírem da sua situação, é o país que reproduz os mesmos factores de diferenciação de classe e os transmite de geração para geração, é o país que menos oportunidades dá para as pessoas saírem do seu grau de marginalização ou pobreza social. A ideia de que qualquer um, independentemente dos seus rendimentos, possa, a partir do seu trabalho árduo e competente, tornar-se rico, nos EUA, é uma completa miragem.
A política do PS é elucida sobre as políticas de igualdade: com o PS há mais pobres, mais desempregados, salários mais baixos e mais desigualdade.

7. Igual importância e mérito.

JCR apoia a proposta dada pelo economista americano Ronald Dworkin «com o livro Taking Rights Seriously, que aborda a prioridade moral dos direitos enquanto reivindicações face ao Estado» posicionando-se «entre a velha esquerda igualitária e uma nova direita que abandona as pessoas ao mercado» e assenta «o individualismo ético em dois princípios: princípio da igual importância e princípio da igual responsabilidade». Simplisticamente dir-se-á que todas as vidas são igualmente importantes, mas cada pessoa tem, igualmente, uma especial e final responsabilidade no seu próprio sucesso. «Temos aqui uma “terceira via” que acolhe a igualdade nas suas diversas faces», «combinando a igualdade de oportunidades com a responsabilidade pessoal», entre «a velha esquerda igualitária que entendia que a responsabilidade colectiva devia predominar… e a direita que insiste na exclusividade da responsabilidade pessoal, no mérito, na competição, ignorando qualquer intervenção colectiva»[25].
Quer dizer, as pessoas são igualmente importantes, mas umas são mais importantes que outras, umas são mais iguais que outras. Os desempregados e os pobres passam a ser culpados do seu insucesso, da responsabilidade no seu falhanço. Não são as políticas que determinam os seus resultados nas pessoas, são estas que são preguiçosas e incompetentes.
Aqui JCR critica a exclusividade do mérito, ora é precisamente o mérito que é invocado pelo ministro das Finanças para alterar radicalmente o Estatuto da Carreira Docente. E é a comissão para revisão das carreiras e sistema remuneratório do chamado regime geral da Função Pública que introduz o demérito (através da avaliação de desempenho) como motivo de despedimento dos trabalhadores. Tem sido em nome do mérito, “vendido” nas empresas como uma mais justa e mais moral forma de remunerar trabalhadores, que os salários têm-se tornado cada vez mais dependentes de valores variáveis – decididos pelas chefias ao “seu belo interesse” e muitas vezes usadas como forma de castigar e discriminar activistas.

8. Igual importância e responsabilidade.
O discurso sobre a responsabilidade tem conteúdos ideológicos muito importantes que muitas vezes passam despercebidos e é hoje um ponto-chave no discurso político.
Esta medida, de Vieira da Silva, de que o desempregado tem que fazer uma procura activa de trabalho, e demonstrá-la, condição sem a qual fica sem subsídio de desemprego implica responsabilizar e culpar o desempregado pela sua própria situação e desculpabilizar o governo, os patrões e as suas políticas. Para além de tentar arranjar mais um motivo para deixar de pagar subsídio de desemprego. Objectivamente, não é por um desempregado muito procurar trabalho que o vai encontrar, na medida em que o que decide fundamentalmente a existência de postos de trabalho é alheio à posição da pessoa concreta do desempregado. Mais grave ainda, é que estas políticas abrem espaço político para posições reaccionárias como “trabalho há muito, as pessoas é que não querem trabalhar, querem emprego – não trabalho”.
Sendo verdade que o trabalho é uma mercadoria não é exactamente igual que o equilíbrio do mercado de trabalho se faça entre intervenientes (patrões e empregados) em situação de igualdade.
Num livro recente, que aborda o desemprego na política económica[26] pode ler-se: «A situação de “equilíbrio de mercado” entre os trabalhadores que oferecem trabalho e os empresários que procuram trabalho apresenta duas características fundamentais. É um “óptimo de Pareto”[27] e este óptimo assegura a maximização do lucro por parte dos empresários, a maximização da utilidade por parte dos trabalhadores e a igualdade entre a procura e a oferta globais de trabalho, sendo então um equilíbrio de pleno emprego. A existir desemprego, este é de origem comportamental, uma vez que depende do comportamento dos trabalhadores que se recusam a oferecer trabalho abaixo de um salário mínimo, o salário mínimo de reserva… o desemprego assim concebido é necessariamente um desemprego voluntário»[28].
Ou seja, o trabalhador que não aceitar oferecer a sua força de trabalho pelos valores que o patrão quer é responsável pelo seu próprio desemprego.
Na minha linha vem agora a questão do salário mínimo. No dizer de António Vitorino[29] Sócrates «pretende marcar politicamente mas permitindo ganhos de competitividade. O salário mínimo não pode ter um aumento muito significativo pois afecta a competitividade, sendo necessária a contenção salarial para criar emprego». Deste argumento se pode deduzir que se os trabalhadores lutam por salários mais elevados estão a criar – eles próprios – mais desemprego. Ora, ignora-se, dogmatiza-se, o intocável lucro.
Os conservadores, mais descarados que Vitorino, vão mais longe. «O salário mínimo pode gerar efeitos negativos sobre o nível do emprego uma vez que distorce a formação dos salários»[30] ou seja a livre formação dos salários necessitaria do fim do próprio salário mínimo, para que o “mercado pudesse funcionar livremente”.

9. O princípio do fim da segurança social.
Na polémica acerca da segurança social escreve Giddens: «O tipo de socialismo em que o Estado exercia um controlo geral da economia, regulando a procura enquanto o Estado-providência proporciona uma rede de segurança, morreu em 1989 com o socialismo real… a esquerda não pode opor-se à reforma da segurança social».
JCR reforça, «hoje em dia não é possível ao Estado, ou a qualquer ente público na sociedade política, actuar de modo providencial… ora a responsabilidade é a chave de toda a mudança… ela passa pelas parcerias com as famílias, a sociedade civil e o próprio indivíduo»[31] pois «nada é imutável e o bem estar comum das sociedades não pode depender só do Estado»[32] entenda-se parceria privada, responsabilização do indivíduo em formar a sua própria capitalização individual para a reforma e/ou introdução de um «salário negativo»[33] nos orçamentos familiares.
Compreende-se a dedução do argumento. Mas a premissa de que o Estado-providência morreu com o socialismo real não é verdade. Em consequência, a conclusão de que «a esquerda não se pode opor à reforma da segurança social»[34] também o não é. Argumentando em favor da taxa de substituição/sustentabilidade das pensões, Vieira da Silva acusa a esquerda europeia de «fechar os olhos à crise económica e financeira da segurança social… com resultados catastróficos». Vieira da Silva deve estar-se a referir às grandes manifestações e lutas contra as propostas dos governos para a segurança social. Como o Bloco de Esquerda demonstrou o problema passa, não pela retirada de direitos mas sim, pela introdução de novos financiamentos adequando-se o financiamento da segurança social à economia de hoje. Aqui social-liberais e conservadores mantêm, eles sim, o dogma de que o modelo de financiamento deve relacionar o número de trabalhadores no activo e na reforma - precisamente para livrar o capital de pagar.

10. Há espaço para um liberalismo de esquerda?
Os sociais-liberais, por vezes travestidos de liberais de esquerda estão assumindo o programa neo-liberal mas procuram revesti-lo de novas roupagens. E há espaço político para isso? Creio que não!
A pressão neo-liberal é simplesmente esmagadora. A política do PS assim o demonstra. Submetem-se à política da guerra, do capital, do centro do imperialismo global e procuram ser os melhores intérpretes da sua política. Um comentador perguntava à uns dias atrás: para que serve a esquerda?



[1] Ministro Vieira da Silva, Suplemento de Economia do DN, 14-08-2006.
[2] Rodrigues, José Conde, A política sem dogma, ensaios sobre o liberalismo de esquerda, Editora Occidentalis, Lisboa, 2006.
[3] Hume, David (Edimburgo, Escócia 1771 – 1776), consultar, por exemplo, www.wikipedia.org ou www.mundodosfilosofos.co.br. A sua obra mais importante foi o Tratado da Natureza Humana.
[4] Giddens, Anthony, LA REPUBBLICA, traduzido e publicado no COURRIER INTERNACIONAL, www.courrierinternacional.com.pt
[5] A política sem dogma, pág. 21.
[6] A política sem dogma, pág. 147.
[7] A política sem dogma, pág. 149.
[8] Artigo de JCR, Democracia e Igualdade, hoje, Revista Nova Cidadania, Abril/Junho 2006.
[9] Entrevista ao DN, 03-04-2006, a propósito do lançamento do seu livro.
[10] A política sem dogma, pág. 198.
[11] Artigo de JCR, Democracia e Igualdade, hoje.
[12] A política sem dogma, pág. 26.
[13] A política sem dogma, pág. 27.
[14] A política sem dogma, pág. 28 e 29
[15] A política sem dogma, pág. 30 a 33.
[16] Entrevista ao DN, 03-04-2006.
[17] A política sem dogma, pág. 34 e 35.
[18] A política sem dogma, pág. 157.
[19] Adjectivo profusamente escrito. Para tentar vincar um qualificativo que formate à partida a esquerda que se opõe ao neoliberalismo.
[20] Green, Philip, Equality and Democracy, 1998; citado por JCR.
[21] Entrevista ao DN, 03-04-2006.
[22] A política sem dogma, pág. 126.
[23] Bens sociais, aqui significa os serviços públicos que o Estado põe à disposição da população.
[24] Walzer, Michael, As esferas da Justiça, Editorial Presença, Lisboa, 1999; citado por JCR.
[25] Artigo de JCR, Democracia e Igualdade, hoje.
[26] Antunes, Margarida, O desemprego na política económica, Coimbra Editora, 2005, pág. 33.
[27] Vilfredo Pareto foi um economista liberal nomeado senador do Reino da Itália por Mussolini. O conceito “Óptimo de Pareto” significa que uma situação económica é óptima no sentido de Pareto se não for possível melhorar a situação, ou mais genericamente a utilidade, de um agente sem degradar a situação ou utilidade de qualquer outro agente económico. Numa estrutura ou modelo económico podem coexistir diversos óptimos de Pareto. Um óptimo de Pareto não tem necessariamente um aspecto socialmente benéfico ou aceitável. Por exemplo, a concentração de rendimento ou recursos num único agente pode ser óptima no sentido de Pareto.
[28] Antunes, Margarida, sobre a Abordagem neoclássica do mercado de trabalho, em O desemprego na política económica, Coimbra Editora, 2005, pág.
[29] No seu programa de comentários à RTP, 13-11-06
[30] Antunes, Margarida, sobre As determinantes institucionais do desemprego em O desemprego na política económica, Coimbra Editora, 2005, pág. 72.
[31] Idem.
[32] A política sem dogma, pág. 33.
[33] “Salário negativo”, expressão recentemente usada por Luís Fazenda para referir os custos na família com o desemprego.
[34] Entende-se o que o autor quer dizer: reforma aqui significa retirada de direitos.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Flexi-segurança abre brechas no PS?



As declarações de Mário Soares sobre a flexi-segurança mostrarão que algumas brechas começaram a abrir na fortaleza conservadora, agora dominada pelo senhor feudal Sócrates?
Depois do Bloco de Esquerda que respondeu à flexi-segurança no seu IV Encontro Nacional de Trabalho e trouxe a Portugal o dinamarqês JØRGEN ARBO-BEHR, e publicou uma interessante brochura, é agora a CGTP a promover um encontro nacional sobre esta temática.
Os temas de trabalho não têm provocado, até agora, dificuldades nas elites dominantes. Outros temas como o aborto têm propiciado a acção da esquerda e auxiliado a luta contra um conservadorismo que suporta uma burguesia cuja concepção ideológica ainda transporta os laivos do tempo salazarista.
A burguesia liberal, de facto liberal, que pretende um capitalismo moderno, tem sido vencedora em Espanha - apesar da intensa luta. É a flexi-segurança que vai produzir diferenciações nas classes? Talvez não, mas a ver vamos.
O debate segue dentro de momentos.

O que resta da esquerda?

Rui Ramos, Vasco Pulido Valente, Alexandre Relvas e António Carrapatoso deram à luz uma obra revolucionária: revolucionários!
Os artífices do esforço querem-nos fazer crer da validade da destruição do Estado social como condição de igualdade de partida entre todos os cidadãos, querem-nos fazer crer da única possibilidade de vida na terra – a do domínio do capital. E para esse domínio a esquerda, dizem eles, é necessária. Para fazer aquilo que Blair fez, para fazer aquilo de que Sócrates faz. Em nome do Estado social destroem as funções sociais do Estado. Em nome da defesa do almoço tiram-nos o jantar.
Rui Ramos na sua crónica do Público de hoje diz que “José Sócrates não roubou ninguém. Limita-se a fazer o necessário para dar mais uns anos de vida ao Estado social. Como não é possível subir mais os impostos, baixa as prestações. Sócrates limitou-se a tropeçar numa velha verdade socialista: o empobrecimento é o preço do controle da sociedade pelo poder político.”
Esta frase contém várias asserções erradas.
È possível subir mais os impostos. Para quem? Para quem os pode pagar. Para as grandes fortunas, para a banca que paga abaixo do cidadão comum, para as transacções em bolsa… mas isso faz parte do dogma liberal – isso não se pode falar. É pois verdade que a Sócrates só resta baixar as prestações. Aliás, o reinado Sócrates tem aumentado a pobreza, os salários têm baixado, a economia permanece e agrava o seu atraso em relação à Europa e a atribuição de rendimento mínimo garantido aumentou exponencialmente. Ainda hoje, as notícias dão conta que os trabalhadores portugueses vão continuar a ser os que menos poder de compra vão ganhar na OCDE. Com Sócrates há mais pobres, mais desemprego e mais indigência.
Sócrates tropeça na mentira de um governo dito socialista, tropeça na submissão rasteira mas altamente demagógica ao dogma do domínio do capital.
Em verdade, a sociedade não está controlada pelo poder político – o poder político, e por conseguinte a sociedade, estão controlados pelo poder económico. A velha frase marxista de que os governos são comissões de negócios da burguesia mostra bem a sua validade.
É para essa traição que a burguesia precisa da “esquerda”.

domingo, 17 de junho de 2007

Bertolt Brecht


Dificuldade de governar

1. Os ministros não cansam de dizer ao povo
Como é difícil governar.
Sem os ministros o grão de trigo cresceria para baixo, não para cima.
Nenhum pedaço de carvão sairia das minas se o Chanceler não fosse tão sábio.
Sem o Ministro da Propaganda nenhuma mulher ficaria grávida.
Sem o Ministro da Guerra jamais haveria guerra.
Sim, se o sol se levantaria de manhã sem a permissão do Führer. É inteiramente discutível, e se o fizesse seria no lugar errado.
2. Igualmente difícil é, eles nos dizem dirigir uma fábrica.
Sem o proprietário as paredes desmoronariam e as máquinas enferrujariam, dizem.
Mesmo que em algum lugar se fabricasse um arado ele nunca chegaria a um campo sem as palavras sabidas que o empresário escreve aos camponeses: senão quem poderia informá-los que existe arados?
E o que seria de uma fazenda sem o fazendeiro? Certamente semeariam centeio onde já se encontram batatas.
3. Se governar fosse fácil não seriam necessários espíritos iluminados como oFührer
Se o trabalhador soubesse como utilizar sua máquina e o agricultor soubesse distinguir um campo de uma tábua de fazer macarrão não seriam necessários industriais e fazendeiros.
Somente porque são tão estúpidos precisa-se de alguns tão espertos.
4. Ou é possível que governar seja tão difícil. Apenas porque a fraude e a exploração exigem algum aprendizado?

Fonte:Bertolt Brecht. Poemas (1913-1956).
Tradução: Paulo Cesar SouzaSão Paulo: Ed. Brasiliense, 1987
retirado do blogue http://antoniozai.blogspot.com/

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Função Pública, salários, créditos, carreiras…

Com este governo as barbaridades estão ao virar de cada esquina. Em cada esquina uma nova surpresa, uma nova medida contra os direitos dos trabalhadores.
A imaginação fértil do Sr. Sócrates pariu a possibilidade de os trabalhadores da administração pública não progredirem na carreira se o dirigente máximo de serviço considerar não existir disponibilidade orçamental. Ou se este achar que deve afectar a massa salarial, dos aumentos salariais inerentes à progressão, à contratação de novos funcionários. Estás a ver o filme, não estás?
Com isto introduz-se a desigualdade entre os trabalhadores de diferentes serviços e a dependência face às vontades dos chefes. Mais: o governo transfere o ónus da sua política para o chefe e introduz factores de conflitualidade entre os trabalhadores dos diferentes serviços, e não entre os trabalhadores e o governo.
Mas há mais. Ainda mais!
O governo do PS quer criar um sistema de créditos. Com esse sistema um trabalhador pode receber a avaliação de adequado durante dez anos, somando assim 10 pontos de crédito. Ora com esses 10 pontos o trabalhador vai poder evoluir na carreira mesmo que o casmurro do chefe não queira ou que o governo não tenha dado orçamento ao serviço.
Mas que bom, já pensam os trabalhadores. Ao fim de 10 anos vou progredir na carreira… iupiiiiihhh.
Ops, mas também há créditos negativos, quando estiveres quase lá o chefe dá-te uma avaliação de inadequado e lá vêm os teus créditos abaixo. Este sistema de créditos podia ser ao menos como os pontos da Galp ou da BP. Sobem muito devagarinho – mas ao menos não descem, a não ser que se troquem por prémios. Assim como assim, um novo ferro-de-engomar até fazia jeito lá em casa.
E como não há duas sem três aí está a zelosa FESAP prontinha para “fazer amor” com o Ministério. E de quem teria sido esta ideia dos pontinhos? De Nobre dos Santos ou de João Figueiredo?
A atracção que eles sentem um pelo outro!!! Já que não é de bom tom fazer oposição ao amor só espero que eles façam amor com Control !!!

segunda-feira, 11 de junho de 2007

A ideologia da flexi-segurança


Poul Rasmussen, considerado o pai da flexi-segurança, esteve em Lisboa a convite da Multipessoal - uma empresa de trabalho temporário e outsourcing - e deu as "directivas" ideológicas com que o governo há-de "meter" a flexi-precariedade.

As entrevistas que concedeu, http://www.dn.sapo.pt/ e http://www.publico.clix.pt/, mostram as linhas mestras:

- A flexi-segurança é uma forma de tornar a vida melhor para os trabalhadores quando mudam de emprego.

- A flexi-segurança evita aumento de empregos precários.

- Trata-se de uma nova forma de beneficiar os trabalhadores.

- Se não mudamos o enquadramento, arriscamo-nos a que grande parte dos trabalhadores portugueses perca o seu emprego e não tenha oportunidade de encontrar um novo.

- Não consigo entender a hesitação de patrões e sindicatos na cooperação porque não vejo quaisquer efeitos negativos.

Este discurso mostra desde já que:

- A proibição de despedimentos sem justa causa desaparece.

- Omite que não há democracia nas empresas - pois há trabalhadores que são despedidos só por serem sindicalizados - e portanto não há negociações em pé de igualdade entre trabalhadores e patrões.

- Aumentar a precariedade não faz criar mais empregos.

- A criação de empregos não depende dos desempregados, por muito que façam procura activa, depende do poder e das decisões políticas.

- A táctica vai passar por dizer aos precários e desempregados que a culpa de não haver mais empregos é dos empregados com estabilidade.

- E vai passar pelos senhores da UGT - sempre prontinhos a vender tudo em nome da negociação, em nome do mal menor.



sábado, 9 de junho de 2007

As dimensões da crise no mundo do trabalho


Nos últimos anos, particularmente depois da década de 1970, o mundo do trabalho vivenciou uma situação fortemente crítica, talvez a maior desde o nascimento da classe trabalhadora e do próprio movimento operário inglês. O entendimento dos elementos constitutivos desta crise é de grande complexidade, uma vez que, neste mesmo período, ocorrem mutações intensas, de ordens diferenciadas, e que, no seu conjunto, acabaram por acarretar conseqüências muito fortes no interior do movimento operário, e, em particular, no âmbito do movimento sindical. O entendimento deste quadro, portanto, supõe uma análise da totalidade dos elementos constitutivos deste cenário, empreendimento ao mesmo tempo difícil e imprescindível, que não pode ser tratado de maneira ligeira.1
Neste artigo, vamos somente indicar alguns elementos que são centrais em nosso entendimento, para uma apreensão mais totalizante da crise que se abateu no interior do movimento operário.2 Seu desenvolvimento seria aqui impossível, dada a amplitude e complexidade de questões. A sua indicação, entretanto, é fundamental por que afetou tanto a materialidade da classe trabalhadora, a sua forma de ser, quanto a sua esfera mais propriamente subjetiva, política, ideológica, dos valores e do ideário que pautam suas ações práticas concretas.
Começamos dizendo que neste período vivenciamos um quadro de crise estrutural do capital, que se abateu no conjunto das economias capitalistas, especialmente a partir do início dos anos 70. Sua intensidade é tão profunda que levou o capital a desenvolver "práticas materiais da destrutiva auto-reprodução ampliada ao ponto em que fazem surgir o espectro da destruição global, em lugar de aceitar as requeridas restrições positivas no interior da produção para satisfação das necessidades humanas".3 Esta crise fez com que, entre tantas outras conseqüências, o capital implementasse um vastíssimo processo de restruturação, com vistas à recuperação do ciclo de reprodução do capital e que, como veremos, afetou fortemente o mundo do trabalho. Retomaremos adiante este ponto.
Um segundo elemento fundamental para o entendimento das causas do refluxo do movimento operário decorre do explosivo desmoronamento do Leste europeu (e da quase totalidade dos países que tentaram uma transição socialista, com a URSS à frente), propagando-se, no interior do mundo do trabalho, a falsa idéia do "fim do socialismo". Embora a longo prazo as conseqüências do fim do Leste europeu sejam eivadas de positividades (pois coloca-se a possibilidade da retomada, em bases inteiramente novas, de um projeto socialista de novo tipo, que recuse, entre outros pontos nefastos, a tese staliniana do "socialismo num só país" e recupere elementos centrais da formação de Marx), no plano mais imediato houve, em significativos contigentes da classe trabalhadora e do movimento operário, a aceitação e mesmo assimilação da nefasta e equivocada tese do "fim do socialismo" e, como dizem os apologetas da ordem, do fim do marxismo.4
E mais, ainda como conseqüência do fim do chamado "bloco socialista", os países capitalistas centrais vêm rebaixando brutalmente os direitos e as conquistas sociais dos trabalhadores, dada a "inexistência", segundo o capital, do "perigo socialista" hoje. Portanto, o desmoronamento da URSS e do Leste europeu, ao final dos anos 80, teve enorme impacto no movimento operário. Bastaria somente lembrar a crise que se abateu nos partidos comunistas tradicionais, e no sindicalismo a eles vinculado.
Paralelamente ao desmoronamento da esquerda tradicional da era stalinista — e aqui entramos em outro ponto central —, deu-se um agudo processo político e ideológico de social-democratização da esquerda, e a sua conseqüente atuação subordinada à ordem do capital. Esta acomodação social-democrática atingiu fortemente a esquerda sindical e partidária, repercutindo, conseqüentemente, no interior da classe trabalhadora. Essa acomodação social-democrática atingiu também fortemente o sindicalismo de esquerda, que passou a recorrer, cada vez mais freqüentemente, à institucionalidade e a burocratização que também caracterizam a social-democracia sindical.
É preciso acrescentar ainda que, com a enorme expansão do neoliberalismo a partir de fins dos anos 70, e a conseqüente crise do Welfare State, deu-se um processo de regressão da própria social-democracia, que passou a atuar de maneira muito próxima da agenda neoliberal. O projeto neoliberal passou a ditar o ideário e o programa a serem implementados pelos países capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos países subordinados, contemplando restruturação produtiva, privatização acelerada, enxugamento do estado, políticas fiscais e monetárias sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital como FMI e BIRD, desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, combate cerrado ao sindicalismo classista, propagação de um subjetivismo e de um individualismo exacerbados da qual a cultura "pós-moderna" é expressão, animosidade direta contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital etc.
Vê-se que se trata de uma processualidade complexa que, repetimos, aqui somente podemos indicar e que podemos assim resumir: 1) há uma crise estrutural do capital ou um efeito depressivo profundo que acentuam seus traços destrutivos; 2) deu-se o fim do Leste europeu, onde parcelas importantes da esquerda se social-democratizaram; 3) esse processo efetivou-se num momento em que a própria social-democracia sofria uma forte crise; 4) expandia-se fortemente o projeto econômico, social e político neoliberal. Tudo isso acabou por afetar fortemente o mundo do trabalho, em várias dimensões.
Como resposta do capital à sua crise estrutural, várias mutações vêm ocorrendo e que são fundamentais nesta viagem do século XX para o século XXI, caso se queira, como ensinou Marx, "apoderar-se da matéria, em seus pormenores, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas" (conforme a nossa epígrafe recolhida do posfácio à 2ª edição de O capital, de 1873). Uma delas, e que tem importância central, diz respeito às metamorfoses no processo de produção do capital e suas repercussões no processo de trabalho.
Particularmente nas últimas décadas, como respostas do capital à crise dos anos 70, intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo, através do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível e dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, no qual se destaca, para o capital, especialmente, o modelo "toyotista" ou o modelo japonês. Estas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência intercapitalista e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar fortemente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical.
Fundamentalmente, essa forma de produção flexibilizada busca a adesão de fundo, por parte dos trabalhadores, que devem abraçar, de "corpo e alma", o projeto do capital.
Procura-se uma forma daquilo que chamei, em Adeus ao trabalho?, de envolvimento manipulatório levado ao limite, no qual o capital busca o consentimento e a adesão dos trabalhadores, no interior das empresas, para viabilizar um projeto que é aquele desenhado e concebido segundo os fundamentos exclusivos do capital.
Quais são as conseqüências mais importantes destas transformações no processo de produção e como elas afetam o mundo do trabalho? Podemos, de modo indicativo, mencionar as mais importantes:
1) diminuição do operariado manual, fabril, concentrado, típico do fordismo e da fase de expansão daquilo que se chamou de regulação social-democrática;
2) aumento acentuado das inúmeras formas de subproletarização do trabalho parcial, temporário, sub-contratado, terceirizado, e que tem se intensificado em escala mundial, tanto nos países do Terceiro Mundo, como, também nos países centrais;
3) aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, em escala mundial, aumento este que tem suprido principalmente o espaço do trabalho precarizado, subcontratado, terceirizado, part-time etc.;
4) enorme expansão dos assalariados médios, especialmente no "setor de serviços", que inicialmente aumentaram em ampla escala mas que vem presenciando também níveis de desemprego tecnológico;
5) exclusão dos trabalhadores jovens e dos trabalhadores "velhos" (em torno de 45 anos) do mercado de trabalho dos países centrais;
6) intensificação e superexploração do trabalho, com a utilização brutalizada do trabalho dos imigrantes, e expansão dos níveis de trabalho infantil, sob condições criminosas, em tantas partes do mundo, como Ásia, América Latina, entre outros;
7) há, em níveis explosivos, um processo de desemprego estrutural que, junto com o trabalho precarizado, atinge cerca de 1 bilhão de trabalhadores, algo em torno de um terço da força humana mundial que trabalha;
8) há uma expansão do que Marx chamou de trabalho social combinado (Capítulo Inédito), em que trabalhadores de diversas partes do mundo participam dos processos de produção e de serviços. O que, é evidente, não caminha no sentido da eliminação da classe trabalhadora, mas da sua precarização e utilização de maneira ainda mais intensificada.
Portanto, a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais. Tornou-se mais qualificada em vários setores, como na siderurgia, na qual houve uma relativa intelectualização do trabalho, mas desqualificou-se e precarizou-se em diversos ramos, como na indústria automobilística, na qual o ferramenteiro não tem mais a mesma importância, sem falar na tradução dos inspetores de qualidade, dos gráficos, dos mineiros, dos portuários, dos trabalhadores da construção naval etc. Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador "polivalente e muntifuncional", capaz de operar com máquinas com controle numérico e, de outro, uma massa precarizada, sem qualificação, que hoje está presenciando o desemprego estrutural.
Estas mutações criaram, portanto, uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e mais complexificada. Entre qualificados/desqualificados, mercado formal/informal, jovens/velhos, homens/mulheres, estáveis/precários, imigrantes etc.
Ao contrário, entretanto, daqueles que propugnaram pelo "fim do papel central da classe trabalhadora" no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho e do movimento sindical e operário, nesta viragem do século XX para o XXI, é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos que compreendem o mundo do trabalho, procurando articular desde aqueles segmentos que exercem um papel central no processo de criação de valores de troca, até aqueles segmentos que estão mais à margem do processo produtivo, mas que, pelas condições precárias em que se encontram, constituem-se em contigentes sociais potencialmente rebeldes frente ao capital e suas formas de (des)sociabilização. Condição imprescindível para se opor, hoje, ao brutal desemprego estrutural que atinge o mundo em escala global e que se constitui no exemplo mais evidente do caráter destrutivo e nefasto do capitalismo contemporâneo.
O entendimento abrangente e totalizante da crise que atinge o mundo do trabalho passa, portanto, por este conjunto de problemas que incidiram diretamente no movimento operário, na medida em que são complexos que afetaram tanto a economia política do capital, quando as suas esferas política e ideológica. Claro que esta crise é particularizada e singularizada pela forma pela qual estas mudanças econômicas, sociais, políticas e ideológicas afetaram mais ou menos direta e intensamente os diversos países que fazem parte dessa mundialização do capital que é, como se sabe, desigualmente combinada.
Para uma análise detalhada do que se passa no movimento operário inglês, italiano, brasileiro ou coreano, o desafio é buscar essa totalização analítica que articula elementos mais gerais deste quadro, com aspectos da singularidade de cada um destes países. Mas é preciso perceber que há um conjunto abrangente de metamorfoses e mutações que tem afetado a classe trabalhadora, e para a qual é absolutamente prioritário o seu entendimento, de modo a resgatar um projeto de classe capaz de enfrentar estes monumentais desafios presentes no final deste século.
Desse modo, é preciso recusar tanto o caminho economicista, das leis férreas e rígidas da economia, que excluem as lutas de classes e as esferas da política e da ideologia, quanto o seu contraponto, o caminho politicista, que desconsidera a esfera da economia política e o mundo da materialidade, o que Marx chamou de "anatomia da sociedade civil". Em ambos os casos, perde-se a possibilidade de apreender os múltiplos e facetados constitutivos desta crise que atinge o movimento operário. Se não se faz esta articulação complexa e fundamental, pode-se incorrer num equivoco grave, que é aquele que se mostra incapaz de perceber o significado essencial destas mudanças.
NOTAS
(1) Em nosso ensaio, Adeus ao trabalho?, procuramos indicar alguns elementos fundamentais das mutações que vem ocorrendo no interior do mundo do trabalho. Ver ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? (ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho). São Paulo: Cortez, 1995.
(2) É evidente que o movimento operário é muito mais amplo que o movimento sindical, porém, são enormes as relações e conexões entre ambos, de modo que aqui procuramos oferecer alguns elementos básicos que atingem o mundo do trabalho em seu conjunto.
(3) Conforme MÉSZAROS, I. Produção destrutiva e Estado capitalista. São Paulo: Ensaio. p.103. Em MÉSZAROS, I. Benyond Capital: towards a theary of transltion. Londres: Merlin Press, s. d., pode-se encontrar um monumental esforço analítico para se compreender esta crise estrutural do capital (especialmente nas partes 1 e 2), cuja análise acompanhamos integralmente. CHESNAIS, F. A mundialização do capital. (São Paulo: Xamã, 1996.) é uma boa radiografia da economia política do capitalismo na era do capital financeiro e oferece elementos importantes para o entendimento desta crise do capital.
(4) Procuramos mostrar, em ANTUNES, Adeus ao Trabalho?, op. cit., os equívocos desta tese. Ver especialmente p.135-45.
Ricardo Antunes é professor do Departamento de Sociologia da UNICAMP

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Reformas baixam 40%


É a própria OCDE a confirmar. O ministro mais não faz do que uma reacção confirmativa. Num dos Estados mais pobres da UE caminhamos para "níveis africanos" de bem-estar. Com o PS no governo ficamos mais desempregados, mais pobres, com pior acesso aos serviços públicos e agora com piores reformas.
(clique no título e leia todo o artigo)


quinta-feira, 7 de junho de 2007

Jerónimo de Sousa, Álvaro Cunhal e a greve geral

O PCP tem estado em bolandas com a greve geral.
Reconhece-se que se empenhou nela – pudera a ordem veio directamente do Secretariado do Comité Central. Mas a evidência da sua extemporaneidade, por mais que Jerónimo grite, não deixa de entrar pelos olhos dentro.
Jerónimo encetou um caminho novo no PCP. Jerónimo sabia que perdia no terreno ideológico – não pela sua ascendência operária, mas porque o PCP perdia as referências marxistas. A aproximação à China, a Cuba, ao Vietname e até à Coreia do Norte ajudou a manter as aparências de que existem referências de poder “comunista” – mas falta o melhor: a resposta materialista e dialéctica à luta de classes hoje.
O controlo dos sindicatos ajudava a manter a identidade partidária: os sindicatos dos trabalhadores – o partido dos trabalhadores. Se os sindicatos são dos trabalhadores e o partido é dos trabalhadores então o partido tem que mandar nos sindicatos ou estes não seriam dos trabalhadores.
O partido tem sempre razão. Quem estiver com o partido, está com os trabalhadores – ou dito de outra forma, quem está com Jerónimo está com o partido e está com os sindicatos e está com os trabalhadores. Quem não está com Jerónimo, não está com a razão, está com a burguesia. É simples!
Portanto, nada mais natural do que sanear deputados, autarcas ou sindicalistas. Os militantes querem-se puros e sem dúvidas na defesa dos trabalhadores, ou seja na defesa dos sindicatos, ou seja na defesa do partido, ou seja na defesa de Jerónimo.
Dúvidas significam caminhos enviesados e caminhos enviesados não se admitem no partido.
E como o partido parece crescer de influência com esta linha ela torna-se ainda mais dogmática.
Os aliados é coisa que nem interessa. É aqui que entra Álvaro Cunhal. Cunhal cultivava a táctica do PCP ter aliados. Mandava mas tinha sempre umas aberturas. Era como na CGTP ou na CNA. A CDU tinha uma certa malta independente. No tempo de Cunhal talvez o Fórum Social Português fosse uma coisa mais ampla – com Jerónimo aquilo era para destruir, e assim foi.
É pois natural que o Secretariado do Comité Central decida e imponha – mesmo aos seus próprios militantes a decisão precipitada de uma greve geral.
A flexisegurança ainda não estava em cima da mesa – não interessa, as novas leis de trabalho ainda não estavam a sair – não interessa, os contratos colectivos e acordos de empresa estavam fechados – não interessa, os novos ainda não tinham sido propostos – não interessa, a presidência portuguesa da união europeia ainda estava para vir – não interessa, o mês de Maio é historicamente o mais difícil para as greves – não interessa, havia pouco tempo de preparação – não interessa, as sondagens davam grande apoio ao governo – não interessa, a classe trabalhadora estava dividida e faltavam instrumentos políticos de unidade – não interessa, a precariedade era e é dominante – não interessa, as condições dos serviços mínimos tinham mudado – não interessa…
Não interessa a unidade da classe, não interessa a evolução da consciência da classe e como ela fica depois da luta, não interessam as condições de oposição e ataque político (ou sequer ideológico) à burguesia, não interessa acumular forças no proletariado…
O que interessa não é a força da razão, é a razão da força. O que interessa não é influir na situação política e a classe ganhar consciência de si.
Parece que o que interessa é ser o campeão da agitação anti-governo. Ou dito de outro modo, o que parece é que é preciso gritar que a oposição é só ele. Isso a burguesia agradece.
Cunhal não devia conseguir tal desiderato!