domingo, 1 de julho de 2007
António Arnault critica política de saúde
Entrevista ao JN
O Ministro da Saúde "está a tomar medidas que nunca a Direita tomou, porque não tinha coragem".
O socialista que introduziu o Serviço Nacional de Saúde reconhece que o sistema carece de medidas de ajustamento, afectado que está pela procura desnecessária e o desperdício de recursos. Nesta parcela da entrevista que hoje será emitida na Antena 1, António Arnaut insiste na tese de que o SNS constitui um instrumento de justiça social e acusa Correia de Campos de falta de sensibilidade. "A saúde não é aritmética", sustenta.
JN/Antena 1| O seu modelo de Serviço Nacional da Saúde (SNS) é compatível com a actual situação económica do país?
António Arnaut | É compatível, mas antes deixe-me dizer-lhe que a existência do SNS é uma questão ética, de justiça social, antes de ser constitucional. Quero a justiça acima da lei. Mas enquanto a Constituição não for alterada, não se pode mudar o sistema. A solidariedade, por estar na Constituição, deixou de ser conceito moral para ser jurídico-constitucional. Qualquer acção social que se faça tem de ter em conta o princípio da solidariedade.
Está a perder-se esse sentido de solidariedade? Este Governo está a perder...
Não é só este governo; tem vindo a perder-se. As pessoas hoje aceitam coisas que não aceitavam. A ideia liberal de que tudo se compra e vende, de que a saúde pode ser uma mercadoria... Hoje fala-se nos doentes como clientes. Cria-se uma terminologia de mercado. Mas não é a economia de mercado que me preocupa; é a vida ser um mercado.
Está a mexer-se no sistema dizendo-se que é caro e que o país não o aguenta...
Claro que há um problema de financiamento e que, se não forem tomadas medidas, há ruptura do sistema. Quanto mais procura, mais despesa. Resolve-se tomando medidas de ajustamento. Há alguma procura desnecessária.
Como se combate?
Depende sobretudo dos médicos. Têm de saber quando a procura é desnecessária e, nessa altura, não receitar. Frequento os serviços e sei o que se passa. Há sobretudo grande desperdício de horas extraordinárias que se pagam e não se fazem, horários que não se cumprem...
É um problema de organização e controlo.
É. E até agora ninguém é responsável. Não tenho notícia de ter sido punido um chefe de serviços, um director hospitalar, um administrador por desperdício. É preciso responsabilizar toda a hierarquia. E há promiscuidade entre público e privado. Antes de tomar medidas como a actualização de taxas moderadoras, deve atacar-se aqui. Há médicos dedicados e outros que só picam o ponto.
É assim em todos os sectores.
... Mas é preciso tomar medidas. E aceito pagar melhor a quem mais produz, premiar o mérito.
Aceita o conceito de produtividade na saúde?
Aceito. É uma questão de justiça.
O que está a ser bem feito neste momento na saúde?
Já disse ao ministro Correia de Campos – de vez em quando faço declarações críticas e ele fica incomodado...
Incomoda-se com facilidade...
O grande defeito dele é porventura a sua grande virtude. É das pessoas que mais sabe de saúde em Portugal. Mas a saúde não é uma aritmética. E falta-lhe essa sensibilidade. Tem razão em 90% das medidas. Quando fechou bloco de parto, fez bem, mas fez mal em Elvas, por uma questão de dignidade nacional, e em Mirandela. E fechou SAP, alguns bem, mas há um problema humano. Ele diz "O que faz um médico isolado, que custa muito ao Estado, se tem de conduzir muitas vezes um doente a um hospital central?". Mas esquece os casos em que a existência de um médico num lugar isolado dá uma garantia psicológica às populações. E isso tem de se pagar, porque é também uma questão de coesão social. O Estado tem de suportar os custos da interioridade, como suporta os da insularidade. Essa parte humana escapa ao ministro, certos valores essenciais ao conceito de humanismo, que deve ser a doutrina-base do PS. Está a tomar medidas que nunca a Direita tomou, porque não tinha coragem e porque o PS, na Oposição, nunca permitiu.
Dê um exemplo.
As taxas moderadoras para os internamentos e as cirurgias, quando essa taxa, por definição, se destina a desencorajar a procura desnecessária. Não é uma decisão do doente, mas uma imposição do médico. O doente fica internado e ainda por cima paga! Isto não pode ser! É uma coisa absurda! Um ministro socialista não pode fazer isto. Mas fez. Por isso às vezes me sinto indignado. A indignação é um direito constitucional e no PS sempre esse direito existiu.
Tirando a sua voz, não se, ouviram críticas no PS.
Porque as pessoas estão acomodadas. Politicamente, é correcto estar calado. Mas não é verdade. O Manuel Alegre falou, outras pessoas falaram... E sei o que se passa nas bases. Ainda há dias, numa reunião do grupo parlamentar, soube-se que alguns deputados disseram que há pouco PS no Governo. Estou de acordo. A não ser que mude de nome, o PS tem de ter algumas preocupações sociais. Ao menos, salvar o estado social, como aliás tem dito José Sócrates.
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