domingo, 15 de julho de 2007

Reduzir impostos para criar emprego?


Sarkozy lançou um programa de redução de impostos com o argumento da criação de emprego. O programa afecta os anteriores planos de cumprimento do défice francês mas a Comissão foi tolerante, no que poderá ser a ante-estreia para o alastramento de idêntica política. Mas importa agora desmontar o argumento. Recorre-se a um artigo do brasileiro Antônio Andrioli, também publicado na revista brasileira Espaco Academico e no boletim Participação do BE.
" A crise mundial do neoliberalismo comprova a ineficácia do capitalismo para a solução dos agravantes problemas sociais e ecológicos da humanidade. O mito do livre mercado, proposto pelos governos dos países ricos e seus organismos internacionais como solução ao dilema do subdesenvolvimento dos países pobres, começa a ser, gradativamente, desmascarado pelo aumento da desigualdade entre os países, pelas catástrofes ambientais e pela exclusão social de significativas parcelas da população mundial do acesso a condições mínimas de “sobrevivência e reprodução”. Mesmo nos países altamente industrializados, fenômenos sociais típicos dos países pobres começam a se generalizar e a intensificação dos conflitos entre excluídos e incluídos é um claro sinal da insegurança social, que se afirma a passos largos. As saídas propostas, entretanto, parecem ignorar o contexto e as causas da exclusão e da desigualdade social. Frases de efeito como “diminuir impostos para aumentar empregos”, “política social é a que gera empregos” e até mesmo “a geração de empregos é a maior prioridade de um governo” começam a ser usadas de forma generalizada em campanhas eleitorais na Europa. Mas, será que o Estado tem condições de gerar empregos? A diminuição de impostos a grandes empresas contribui para a redução do desemprego?
Diante do desemprego estrutural inten¬sificado pelo progresso tecnológico nas empresas e o gradativo desmonte social nas políticas públicas, vários governos do assim chamado “Primeiro Mundo” elegeram a exclusão de trabalhadores do mercado de trabalho formal como o maior problema social e político contemporâneo. As pesquisas de opinião pública confirmam a gravidade política do desemprego mas, a expectativa de que governos possam contribuir para a solução do problema é muito baixa, o que confirma o reduzido comparecimento de eleitores nas últimas eleições e o crescimento da desilusão e do descrédito da maioria da população com relação à política. O problema foi identificado como real e a emergência na procura de soluções está diretamente relacionada à preocupação de governos com a governabilidade (a estabilidade social necessária na sociedade para o funcionamento dos negócios capitalistas), com a acomodação da maioria da população à lógica dominante, centrada na produção e no consumo de mercadorias.
É esse o diagnóstico da maioria dos governos e que começa a ser expresso em forma de discursos, contando com a passividade e o senso comum dominante na sociedade. Os excluídos tendem a ser ignorados se estes não oferecerem risco à governabilidade. Somente nesta perspectiva é que o desemprego passa a ser tematizado pelos governos neoliberais, difundindo a ilusão de que “se as empresas vão bem, os trabalhadores também vão bem”, na esperança de que os poucos empregos gerados em função da política de benefício fiscal sirvam de motivação a uma maioria de excluídos, cuja existência não ameaça a lógica dominante e apenas precisa ser “administrada pelo Estado”.
É claro que o Estado não tem condições de solucionar o desemprego estrutural no capitalismo. As propostas de solução apresentadas, entretanto, estão centradas no agravamento da desigualdade social, em alternativas de caráter liberal com o propósito de estimular um maior crescimento da economia e, com isso, estabilizar o contexto social, altamente explosivo. Nesta concepção, se parte da falsa expectativa de que uma maior geração de riqueza venha a diminuir a pobreza, ignorando o problema da distribuição num contexto de aprofundamento da concentração de renda na sociedade. A idéia central das propostas neoliberais de crescimento econômico se baseia na redução de impostos às grandes empresas, como fórmula para “atrair investimentos” e, consequentemente, gerar novos empregos. Diante de uma prevista diminuição na arrecadação de impostos, o Estado, de acordo com os neoliberais, precisa ser “enxugado”, implicando no drástico corte nos gastos públicos, o que tende a agravar os problemas sociais. O problema do déficit fiscal, porém, é visto como temporário, tendo em conta que o esperado efeito do crescimento na taxa de empregos aumentaria o número de contribuintes, gerando uma maior arrecadação futura. A formulação lógica linear baseada em menos impostos, mais investimentos, mais crescimento económico, mais empregos, parece convincente e há uma ampla maioria social que continua acreditando em sua eficácia. O dilema é que a experiência de várias décadas dos governos que a vem aplicando, tem conduzido a resultados opostos aos enunciados e isso numa lógica circular agravante, ou seja, menos impostos, mais lucro, mais desigualdade social, mais desemprego, menos impostos, mais lucro, mais desigualdade social...
O caráter ideológico e mistificador da fórmula neoliberal de geração de empregos, comprovada na experiência prática dos governos que a vem aplicando, fica evidente na tentativa de justificação da desigualdade social aos excluídos, tensionados a aceitar os benefícios fiscais do Estado às grandes empresas, cujo resultado é a concretização do interesse maior de qualquer investidor capitalista, ou seja, o aumento da taxa de lucros. O caso da Alemanha é bem ilustrativo neste aspecto: os sete anos de governo do “social democrata” Gerhard Schröder podem ser caracterizados como um dos períodos de maior isenção de impostos a grandes empresas da história do país quando, concomitantemente, o desemprego cresceu a tal ponto que, hoje, há oficialmente 5 milhões de desempregados. A maioria das grandes empresas alemãs, ao invés de pagar impostos, passa a receber dinheiro do Estado para ficar no país e a arrecadação pública do governo alemão está maioritariamente centrada no imposto de renda, uma vez que os impostos sobre as riquezas, heranças e o lucro são, gradativamente, abolidas. Assim, nem sequer causa surpresa ao governo a constatação escandalosa de que o montante dos impostos pagos pelos alemães pelo direito de terem um cachorro supera o total das arrecadações fiscais das empresas.
O paradoxo é que os governos, responsáveis pelo endividamento do Estado, diante da ineficácia comprovada da política neoliberal, continuam apostando na redução de impostos com vistas à geração de empregos, agora sob a alegação de que a taxação tributária de grandes empresas estimularia sua migração para outros países. A culpa, portanto, passa a ser colocada na “globalização”, no “livre mercado”, na “concorrência”, como se as condições que permitiram a mundialização do capital e a intensificação da concorrência não fossem frutos de decisões políticas tomadas por estes mesmos governos. Mais que isso: governos vêm utilizando o argumento de uma suposta “irreversibilidade” da globalização neoliberal como manto ideológico para justificar a implementação de suas políticas impopulares, a serviço dos interesses do capital.
A proposta da oposição conservadora a Schröder era o aprofundamento da política neoliberal, ou, em outras palavras: “abrir de vez a janela, cuja vidraça já fôra arrombada”. O resultado das eleições, no entanto, conduziu a uma coligação entre a antiga oposição e o antigo governo, com o objetivo de continuar e aprofundar as “reformas necessárias” de caráter neoliberal (ver artigo “Centro-direita governa e esquerda cresce na Alemanha” em www.espacoacademico.com.br). O que os liberais aparentam não querer entender é que a sua fórmula de gerar empregos estimulando as grandes empresas não funciona. A premissa de que os investidores capitalistas venham a investir os lucros das suas empresas prioritariamente na expansão da produção está comprovadamente equivocada em tempos de hegemonia e mundialização do capital financeiro. Embora existam, de fato, empresários interessados na manutenção e geração de empregos, estes constituem uma absoluta minoria na atualidade e não se encontram entre os grandes investidores, os maiores beneficiados com o fim dos impostos sobre o lucro, as riquezas e as heranças. O que se comprova é a generalização da lógica capitalista de maximização da apropriação privada dos lucros, especialmente através da especulação financeira.
Na Alemanha, as grandes empresas estão acumulando lucros recordes e os empregos vêm diminuindo na mesma proporção. As 30 maiores empresas no país fecharam o ano de 2005 acumulando 17,5 bilhões de euros em dividendos, 17% a mais do que no ano anterior e exatamente as que mais lucraram e estão sendo isentas de impostos, são as que mais vêm demitindo trabalhadores. Somente para termos um comparativo, o montante de lucros das maiores empresas alemãs corresponde ao total dos investimentos dos governos municipais no país em 2005, os mais atingidos pelos cortes de recursos e o aumento do endividamento. Além de constituir a fonte do enriquecimento privado dos acionistas das empresas (comprovado pelo aumento do número de milionários e bilionários e da crescente desigualdade entre ricos e pobres), os lucros vêm sendo crescentemente investidos no mercado financeiro, onde não geram empregos e acabam contribuindo para o aumento da especulação e do desemprego em setores produtivos da economia. Os especuladores financeiros, por sua vez, comemoram o desemprego, pois a cada demissão massiva de trabalhadores por parte das grandes empresas, a bolsa de valores reage positivamente, aumentando o valor de suas ações.
A tematização do desemprego como problema social carece do desmascaramento de sua lógica e da explicitação dos interesses que nele estão implícitos (ver artigo “Aumentar a exploração para garantir empregos?”). Ao tomarmos o contexto apresentado como referência para a análise, podemos concluir que a aparente preocupação dos liberais com a geração de empregos não passa de um artifício para isentar empresários de impostos sobre os lucros das grandes empresas, as quais, em última instância, são responsáveis pelo financiamento das suas campanhas eleitorais, seus institutos de pesquisa e marketing. A estreita aliança de governos com os interesses do capital na consecução da política neoliberal tende a agravar os conflitos sociais e o Estado procura agir com políticas compensatórias, reduzindo sua ação ao seu papel original na sociedade capitalista: convencer os excluídos da sua própria exclusão e reprimir possíveis rebeliões por parte dos “ainda não acomodados”, que tendem a aumentar progressivamente. Assim, contando com o apoio da classe dominante e a hegemonia ideológica nos principais meios de comunicação social, a governabilidade parece estar relativamente assegurada, enquanto o mito neoliberal ainda continua tendo adeptos".
Cartoon de Sergei Campos

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